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O risco das bruxas soltas

 

Eu tinha começado esta coluna dizendo que no Brasil há males que sempre duram, e a violência era um deles, inclusive como apologia. Lembrava que a afirmação “Bandido bom é bandido morto” tem mais de 50 anos e quase foi parar na Secretaria de Direitos Humanos esta semana. É que o recém-nomeado subsecretário, um advogado, publicara nas redes sociais a mensagem que lhe custou a desnomeação: “Sou a favor de reintegrar o bandido à sociedade. Os órgãos vão pra doação, o esqueleto vai pra escola de medicina e o que sobrar vai pra adubo”. O texto era ilustrado com o símbolo da Scuderie Detetive Le Cocq Brasil, fundada no Rio em 1965: o desenho de uma caveira com a legenda E.M., que oficialmente queria dizer Esquadrão Motorizado e, na prática, Esquadrão da Morte. O autor poderia alegar que, pensando como ele, estão 57% dos brasileiros ouvidos numa pesquisa do Datafolha.

Tentava entender este país que reclama da violência, mas acha que se deve combatê-la com mais violência, quando recebi a notícia da morte de Teori Zavascki. Foi um choque. Ao saber das circunstâncias, senti o passado batendo à porta. Era o mesmo mar que tragara Ulysses Guimarães, personagem de igual integridade moral. Não conheci pessoalmente o juiz do STF e, à distância, o achava tão pouco comum quanto o seu difícil nome. Em meio a tanta disputa de egos, quando alguns colegas preferem os holofotes aos autos, ele era pouco midiático. Discreto, recatado, não tinha carisma e não era nem simpático — aliás, não fazia questão de sê-lo. Mas tinha o respeito irrestrito de seus colegas e até dos que eventualmente foram contrariados por alguma decisão sua, como Sérgio Moro. Por isso é tão significativo o belo gesto do juiz de Curitiba de transferir para o relator o mérito que costuma lhe ser atribuído: “Sem ele (Teori), não teria havido Operação Lava-Jato”. Resta saber se agora, sem ele de fato, o que será da Operação Lava-Jato?

Ainda traumatizada pela tragédia de Paraty, Brasília passou a procurar resposta para a angustiante pergunta: quem substituirá Teori Zavascki como relator? Uma hipótese prevista no regimento interno do STF é que a tarefa caberia ao substituto, a ser indicado pelo presidente da República. Só que, citado nas investigações, Temer poderia vir a ser julgado por quem indicou. Outra solução que não teria essa inconveniência é a adoção do critério de sorteio. Mas com tantas bruxas soltas pelo país (Ancelmo Gois relacionou sete — a primeira sendo os massacres nas cadeias), não será um grande risco confiar na sorte.

O Globo, 21/01/2017