Os ecos de um passado polêmico, não poucas vezes ultrajante, que ainda se fez presente na campanha eleitoral de Bolsonaro e marcou diversos momentos dos primeiros cem dias de seu governo, promoveram desgastes na imagem do Brasil no exterior. Desde que foi eleito, o presidente sofre com essa péssima imagem, o que ficou evidenciado na recusa do Museu de História Natural de Nova York de servir de palco para a homenagem que lhe será feita pela Câmara de Comércio Brasil-Estados Unidos como a Pessoa do Ano.
Esse retrocesso deve-se muito também à campanha petista de acusar as eleições de 2018 de terem sido fraudadas, pelo fato de o ex-presidente Lula, condenado em segunda instância pela Justiça brasileira, ter sido impedido de se candidatar.
Está preso há um ano, condenado a mais de 12 anos, mas os petistas tentam vender ao mundo, às vezes com sucesso, a ideia de que é um preso político, e não mais um político latino-americano preso por corrupção.
A festa da Pessoa do Ano é um evento tradicional que escolhe um brasileiro e um americano para homenagear, com o objetivo de incrementar a relação comercial entre os dois países. Ex-presidentes como Fernando Henrique e Bill Clinton já foram homenageados, assim como figuras como o ex-prefeito de Nova York Michael Bloomberg e o então Juiz Sérgio Moro, hoje ministro da Justiça.
Bloomberg, por sinal, protagonizou anteriormente uma situação inusitada, pois alegou falta de agenda para não aceitar o prêmio junto com o atual governador de São Paulo, João Doria. Quem foi homenageado na ocasião foi o ex-embaixador dos Estados Unidos no Brasil, Thomas Shannon.
Mas o prefeito de Nova York aparentemente arrependeu-se, pois, além de ter aceitado receber o prêmio no ano seguinte, mandou uma mensagem de congratulações a Doria, e passou a elogia-lo em público, tendo vindo a São Paulo para visita-lo.
Este ano, quem vai receber o prêmio do lado americano será o Secretário de Estado Mike Pompeo, o que reforça o lado político da disputa atual, devido à proximidade de Bolsonaro com o presidente Trump. O prefeito de Nova York Bill de Blasio, da ala esquerda dos Democratas, considera Bolsonaro “um homem perigoso”, e pode ser creditado a ele uma pressão política para que o Museu de História Natural não sediasse a festa, como fez nos últimos anos.
Houve também manifestação de ambientalistas, que acusam Bolsonaro de ser contrário às políticas de preservação do meio-ambiente. Essa posição, aliás, também é destacada negativamente pela revista Time, que colocou Bolsonaro entre as 100 pessoas mais influentes do mundo, sem dúvida uma compensação para as críticas que vem recebendo no exterior.
Poucos brasileiros entraram na lista antes: o ex-presidente Lula apareceu apenas em 2010, seu último ano de governo. Dilma Rousseff ficou dois anos na lista. Moro, Jorge Paulo Lehman e Gabriel Medina foram outros agraciados.
Bolsonaro é o único brasileiro desta vez, está na categoria “líderes” ao lado do presidente americano, Donald Trump, do líder da oposição e autodeclarado presidente da Venezuela, Juan Guaidó, e dos premiês Matteo Salvini (Itália), Jacinda Ardern (Nova Zelândia) e Benjamin Netanyahu (Israel).
Ele representa para a Time “uma ruptura brusca com uma década de corrupção de alto nível e a melhor chance do Brasil de implementar reformas econômicas que possam domar a dívida crescente”.
Mas a revista o caracteriza também como “um garoto-propaganda da masculinidade tóxica, um homofóbico ultraconservador que pretende travar uma guerra cultural e, talvez, reverter o progresso do Brasil no combate às mudanças climáticas”.
A Câmara de Comércio Brasil-Estados Unidos já tem outro lugar em Manhattan para a festa, como anunciou o ministro Paulo Guedes na entrevista à Globonews. Vários hotéis e locais de eventos se ofereceram para sedia-la, como o Hilton New York; Sheraton New York & Towers Hotel; Former City Opera House e o Jacob K. Javits Convention Center, entre outros. A escolha está sendo feita pelo tamanho dos salões, pois já estão vendidos mais de mil convites e há uma lista de espera grande.
Bolsonaro já havia anunciado a troca de vários embaixadores, nas principais capitais do mundo, alegando que não ajudavam a melhorar sua imagem. Como se fosse esse o problema. Terá mais uma chance no discurso de aceitação do prêmio Pessoa do Ano. O que fez em Davos foi um desperdício.