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O partido no poder

 

Um grande diferencial entre os governos Fernando Henrique e Lula, detectado pelo estudo da cientista política Maria Celina D"Araujo, professora do Departamento de Sociologia e Política da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, está relacionado ao tema partidário.

Com base em análise da composição dos ocupantes de cargos de Direção e Assessoramento Superiores (DAS) níveis 5 e 6 e de Natureza Especial (NES), ela constatou que o índice de partidarização dobrou entre um e outro governo: 6,5% de todos os ocupantes dos cargos no governo FH eram filiados a algum partido político, número que subiu para 12,6% no governo Lula.

"Os percentuais em si não seriam tão importantes, não fora o fato de que a concentração de filiados ao partido do governo sobe conforme os níveis de DAS são mais altos", ressalta Maria Celina.

Nesse caso, a diferença entre os dois governos é significativa: nos DAS 6, sobe de 17,1% no governo FH para 38% no governo Lula. De imediato, chama a atenção a grande concentração de filiados ao PT no governo Lula, cerca de 40% de todos os integrantes dos cargos de DAS filiados a algum partido.

Durante o governo Fernando Henrique, o partido do governo, o PSDB, acumulou 20% desses cargos, mesma proporção de seu principal aliado, o Partido do Movimento Democrático Brasileiro, PMDB.

De maneira explícita nota-se, ressalta o estudo, uma distribuição mais equilibrada entre os partidos da base no governo FH.

Nesse governo, o PT na oposição teve uma fatia de cargos de confiança semelhante à de partidos da base, como o DEM e o PP.

O dado acima confirma nossa hipótese, diz Maria Celina, de que, no governo do PSDB, não houve uma política de exclusão partidária, pelo menos entre os partidos eleitoralmente mais expressivos naquela ocasião. Contrariamente, no governo Lula, a concentração de filiados ao PT foi alta entre as nomeações para os cargos de dirigentes públicos ou para o Ministério.

Essa concentração de nomeações em filiados ao partido do governo fica mais explícita quando se toma os ocupantes dos níveis mais elevados de DAS, de 4 a 6, nos dois governos.

A concentração de filiados ao PSDB no governo Fernando Henrique está um pouco abaixo de 40%, enquanto a dos filiados ao PT no governo Lula chega a 60%.

"Ou seja, nos níveis mais altos, a partidarização do governo vai ficando maior e as diferenças entre os dois governos vão se acentuando".

Agrupando os níveis 5 e 6 dos DAS e os NES, objeto de análise mais apurada em termos de perfis sociopolíticos, Maria Celina diz que os dados mostram que 11% deles no governo Fernando Henrique e 24% no governo Lula eram filiados a partidos políticos.

Desses filiados a partido, no governo Fernando Henrique, 42% eram filiados ao PSDB e, no governo Lula, 77% eram filiados ao PT.

Para Maria Celina, "o Ministério é um espaço privilegiado para aferir os compromissos partidários do presidente no presidencialismo de coalizão".

A sintonia entre o número de cadeiras obtidas por um partido no Congresso e o percentual de pastas ocupadas no Ministério, que prevalecia desde a República de 1946, foi quebrada no governo Lula, destaca Maria Celina, "embora a academia brasileira não tenha se dedicado devidamente ao tema".

A concentração de pastas em mãos de petistas chegou a 50% no governo Lula, embora o PT tivesse em torno de 17% das cadeiras na Câmara dos Deputados e reunisse 29% das cadeiras da coalizão governamental.

O estudo da cientista política mostra, no entanto, que a tese da coalizão em sua versão clássica aplica-se ao governo FH "quando se vê um equilíbrio na distribuição das pastas entre os partidos aliados, havendo até a participação de um petista histórico, Francisco Weffort, amigo pessoal do presidente".

Da mesma forma, é sintomática, ressalta a professora da PUC, a maior participação de pessoas sem filiação partidária no governo Fernando Henrique.

A grande concentração de cargos em mãos do partido do governo é uma característica do governo Lula da Silva e este fenômeno ainda não foi analisado com rigor.

Na prática, significou a ruptura de um padrão de compromisso no plano ministerial, o que não impediu, surpreendentemente, a estabilidade do governo ou a governabilidade, termos recorrentemente usados para justificar a necessidade de distribuição de cargos em função dos votos recebidos para cada agremiação da base aliada ao governo.

Essa é a principal inovação do governo Lula. O PT concentrou cargos e posições e entregou algumas áreas da administração pública a aliados como PMDB, PR e PTB num patamar que não os satisfez, levando à grande pressão que se observou quando da formação do governo Dilma.

Segundo o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, em entrevista à autora, o PSDB não se caracteriza como um "partido demandante", ou como um partido de militância, o que permitiu ao seu governo ter mais margem de ação para empreender uma administração cooperativa com os demais partidos.

Assim, a maior concentração de petistas no governo de Lula da Silva, em comparação à participação de tucanos no governo Fernando Henrique, derivaria desse aspecto militante e mobilizador do PT, que historicamente foi bem-sucedido na aproximação com os movimentos sociais e com os servidores públicos.

Governos partidários são parte das regras da democracia moderna e da social democracia. O que é novo no caso do PT foi ter rompido com a lógica da conciliação e da partilha quando se trata de ocupar os mais altos cargos do Executivo.

Essa concentração, associada a sua aproximação com movimentos sociais e com sindicatos, despertou teses sobre o aparelhamento do Estado e sobre a cooptação da sociedade civil pelo Estado.

O Globo, 25/12/2011