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O país que dá gosto

 

De repente, você desvia os olhos de Brasília e constata mais uma vez que o Brasil não se resume à sua capital e que, longe do baixo astral político, há vida mais saudável e prazerosa, por exemplo, nas artes e no esporte, como aconteceu na última semana. Quem foi ver “Os vilões de Shakespeare”, segundo a recriação de Geraldinho Carneiro, descobriu, se já não sabia, que Marcelo Serrado não é apenas um bom, é um excelente ator. Fica-se em dúvida se, no seu desempenho, o que impressiona mais é a versatilidade do talento ou a memória prodigiosa — me decidi pelas duas.

Na música, até num momento como o da perda de Luiz Melodia, você tem a tristeza temperada de orgulho pelo legado que ele deixou. Aquele menino nascido no Morro de São Carlos, no Estácio, um bairro conhecido como berço do samba, acabou sendo ele mesmo um dos maiores artistas brasileiros, graças à música que carregava no nome e à poesia que trazia nas veias. 

No capítulo das comemorações, tivemos os 75 anos de Caetano Veloso, um ícone cujo carisma transcende o território musical. Não esquecer que há exatos 50 anos, no III Festival de MPB, da TV Record, ele lançava o emblemático “Alegria, alegria” (e Gil, “Domingo no parque”), marcos do que eclodiria no ano seguinte como Tropicalismo, o movimento cultural mais importante da segunda metade do século passado e que contou com outros clássicos, como o filme “Terra em transe”, de Glauber Rocha, e a obra inspiradora do artista plástico Hélio Oiticica chamada “Tropicália”. 

No esporte, quem não vibrou vendo Paris se curvar aos pés do craque mais valorizado do mundo? Que tal mais de 40 mil franceses gritando “Neymar, Neymar”, ao som de “Aquarela do Brasil” e com a Torre Eiffel vestindo amarelo? Se não bastasse, as meninas do vôlei conquistavam na China pela 12ª vez o Grand Prix, uma espécie de Copa do Mundo da modalidade. Para quem, como eu, aprendeu a gostar do esporte com a geração dos anos 80 — Isabel, Vera Mossa, Jacqueline, Ana Richa — foi emocionante assistir à vitória sofrida das comandadas de Natália, enquanto, ao mesmo tempo em Viena, Evandro e André se sagravam campeões mundiais no vôlei de praia.

Voltando a Brasília, de lá veio pelo menos uma boa notícia — não a do ministro Gilmar Mendes xingando o procurador-geral Rodrigo Janot de “desqualificado e sem preparo jurídico nem emocional”, num ataque que a associação da classe qualificou de “furor mal contido”. Mas a do também ministro do STF Luís Roberto Barroso fazendo uma serena e corajosa denúncia: “A operação abafa [da Lava-Jato] é uma realidade visível”. 

Por essa e outras é que Barroso pertence ao país que dá gosto.

O Globo, 09/08/2017