O Prêmio Innovare, instituído em 2004, chega à sua 8ª edição tendo atingido plenamente o objetivo de estimular a disseminação de práticas inovadoras no sistema judiciário brasileiro para a efetivação de uma justiça mais rápida e atenta às exigências de uma sociedade inclusiva, na opinião de Maria Tereza Sadek, professora do Departamento de Ciência Política da Universidade de São Paulo e pesquisadora do Centro Brasileiro de Estudos e Pesquisas Judiciais.
Bastaria citar a Lei da Ficha Limpa ou os mutirões carcerários promovidos pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para justificar a afirmação otimista do início da coluna, mesmo para os críticos da lentidão da Justiça brasileira, que com razão identificam na impunidade a razão primeira para a corrupção endêmica no país, e até mesmo o clima de violência.
Durante esse período, o Innovare premiou experiências voltadas para a diminuição do tempo processual, a partir de procedimentos de gerenciamento, ou da informatização; práticas que adotam formas não adversariais para a solução de conflitos, por meio da utilização da conciliação; a elaboração de programas educativos de combate à corrupção; políticas de ressocialização e inclusão de infratores; programas de efetivação do direito à habitação.
Dentre essas práticas, três merecem destaque especial, devido à sua expressão nacional e ao seu impacto em políticas públicas e/ou em movimentos sociais, de acordo com o relatório de Maria Thereza sobre a pesquisa que realizou.
São elas: o mutirão carcerário, desenvolvido pelo Conselho Nacional de Justiça; o núcleo de atendimento integrado de adolescentes (NAI); e a integração da Justiça eleitoral com a sociedade civil.
Também importante, destaca o relatório, foi a disseminação dos chamados “métodos não adversariais” de solução de controvérsias, especialmente a conciliação.
Este procedimento tem se expandido de tal forma que, hoje, sua disseminação sequer permite identificar sua origem, seu potencial de aplicação e seu raio de incorporação, comenta Maria Thereza.
O mutirão carcerário pode ser considerado a primeira iniciativa de âmbito nacional integrando os diferentes órgãos do sistema de justiça.
Sua atuação em uma área extremamente crítica – o sistema prisional – “não apenas retratou e elaborou um diagnóstico da situação como propiciou a garantia de direitos e estabeleceu políticas de reinserção social”.
Já o Núcleo de Atendimento Integrado (NAI) “cria uma solução eficiente e rápida para o problema do adolescente em conflito com a lei”.
Os resultados apresentados na pesquisa, ressalta Maria Thereza, atestam claramente a melhoria trazida pela iniciativa. Além disso, o projeto tem sido estendido para vários municípios, inclusive com o patrocínio de órgãos governamentais e da justiça.
O projeto voltado à Justiça Eleitoral teve desdobramentos que se refletem em movimentos da sociedade civil.
Várias organizações passaram a ostentar bandeiras voltadas ao aprimoramento da cidadania política, e a pesquisadora destaca a mobilização a favor da “ficha limpa” como exemplar desse comportamento.
O relatório afirma que algumas soluções merecem destaque, “quer por sua adoção em várias das práticas examinadas, quer por criar condições para uma Justiça mais rápida e moderna”.
Entre essas soluções estão práticas de conciliação, de gerenciamento e de educação sobre direitos. Em todas essas práticas há um denominador comum: o protagonismo do operador do Direito seja ele juiz, desembargador, ministro, promotor, procurador, defensor público ou advogado.
No que se refere aos procedimentos de conciliação, Maria Thereza diz que embora seja difícil encontrar um único foco irradiador, uma vez que a prática foi adotada por todas as instituições do sistema de justiça, é possível apontar soluções que se tornaram exemplares e que graças à premiação funcionaram como modelos paradigmáticos.
A Defensoria Pública de São Paulo, por exemplo, colocou à disposição do público todas as informações referentes à solução do acidente do metrô, centrada na conciliação.
Muitos outros casos foram solucionados com a utilização de procedimentos semelhantes, como por exemplo: indenização do acidente da TAM; acidente provocado pela queda da arquibancada no Ceará; acidente de trens na linha férrea no Rio de Janeiro; explosão de uma fábrica em Diadema/SP; acidente do Lear Jet em São Paulo.
Da mesma forma, a utilização dessa solução extrajudicial para a obtenção de medicamentos propiciou a efetivação do direito à saúde e uma redução extraordinária no número de ações judiciais.
Vários outros exemplos são citados no relatório: a conciliação nos feitos de família; o setor de conciliação do Fórum João Mendes Jr.; o projeto cidadania ativa.
O gerenciamento e a virtualização respondem por iniciativas de grande parte das práticas premiadas. O maior número de premiados esteve concentrado em São Paulo, no Rio de Janeiro e no Distrito Federal, e certamente isto se deve ao fato de uma maior quantidade de operadores do Direito exercerem suas atividades nessas unidades da federação.
É, contudo, relevante, diz o relatório, o fato de que 15 estados, em todas as regiões do país, constem do rol de práticas inovadoras.
São inovações que “impõem novas rotinas, aumentam a produtividade propiciando uma justiça mais célere, dessa forma garantidora de direitos”, destaca Maria Thereza em seu relatório.
A educação sobre direitos engloba uma série de práticas premiadas, como a educação voltada para as eleições; a educação sobre o meio ambiente; a educação sobre direitos; cursos sobre conciliação.
Na pesquisa, ficou claro que a premiação representou uma valorização do trabalho, um estímulo, um aval, um reconhecimento do esforço e da importância da inovação. Além do aspecto relacionado à distinção pessoal, uma característica significativa do prêmio é seu potencial de institucionalizar uma boa prática. Alguns projetos encontraram na premiação a força de resistência para sobreviver.
Um dos entrevistados chegou a qualificar a premiação como “o verdadeiro Oscar da justiça brasileira”.
O Globo, 24/3/2012