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O mundo de ontem

 

Stefan Zweig, um grande escritor austríaco que teve muito prestígio na primeira metade do século passado e morreu tragicamente com sua mulher em Petrópolis, onde se refugiara durante a Segunda Guerra, cunhou a frase-título do seu livro Brasil, um País do Futuro, que deu lugar a um ufanismo igual ao verde-amarelismo de Oswald de Andrade, carro-chefe da Semana de Arte Moderna de 22.


Mas ele também escreveu um livro interessante (e, na minha geração, tínhamos de ler todos os seus livros) chamado O Mundo de Ontem, uma autobiografia que não chegou a terminar. Não é um livro nostálgico, mas um testemunho da transformação da vida, da sociedade, da ciência e da política mundial. Era um mundo sem barreiras, sem violência urbana, de “promenades solitaires” e de noites românticas. Não se sabia o que viria em seguida: as guerras em 14 e 39.


Viver é ser testemunha dessas transformações, nessa quase loucura da história da humanidade em busca do crescimento, do consumo, da sublimação dos prazeres. Eu, já com algumas décadas dessa graça da vida, posso também recordar, na área em que sempre vivi, as transformações, as condutas, os procedimentos, o comportamento da política de ontem e de hoje.


Machado de Assis, na crônica célebre sobre o Senado do Império, vê como em sonho a porta sendo fechada sobre as sombras, deslizando nos corredores dos personagens que tinham sido construtores do País, porque o Brasil, suas instituições, foram feitas pelos políticos e, sobretudo, pelo parlamento.


Nada para entrar em pânico nem julgar a instituição maior da democracia, o coração do povo, que é o parlamento, em seus momentos de crise – uma palavra grega, decisão, que não significava um problema em estado de ebulição –, quando a democracia se enfraquece. Não se pode julgar as instituições pela realização imperfeita dos seus valores, por aqueles que, imbuídos de individualismo e hipocrisia, vivem de atacá-la. Felizmente, a história não guarda o nome desses pessimistas, cassandras da maledicência e predadores da justiça.


Vivemos um tempo de mudanças, em que a composição do corpo político democratizou-se, saiu do círculo de fogo elitista das camadas mais privilegiadas e desceu às massas, a operários e trabalhadores, a líderes populares, que às vezes chocam pela formação de buscar objetivos mesmo com métodos heterodoxos. Mas é uma transformação que veio para ficar.


Isso faz com que os julgadores apressados julguem um retrocesso, mas não é; é um avanço social. Os avanços do mundo foram os momentos da construção de pontes para continuar caminhos. É essa ainda nossa tarefa, e não construir fossos para separar os homens entre uns condenados à perdição e outros à salvação.


Folha de S. Paulo, 14/8/2009