SE HÁ UM POVO sofrido é o curdo. A história não tem sido generosa com eles. Seu sofrimento é milenar. Agora, uma vez mais, eles estão no meio de um massacre. Pelo que eles lutam há séculos? Por uma nação independente, que se chamaria Curdistão.
Eles têm língua e costumes próprios, e são muçulmanos. Acontece que estão espalhados: 34% moram na Turquia, 26% no Iraque, 6% na Síria e 6% no Irã. Esses números eu recolhi de um livro excelente e muito bem escrito, que é "Sobre o Islã", de Ali Kamel.
Já escrevi várias vezes sobre os curdos, desde o massacre a gás feito por Saddam, em 1991, em Kirkuk, passando por episódios da guerra até este ano sobre o genocídio de Sinjar. Acontece que, como acentua Ali Kamel, o Iraque não é um caldeirão de etnias. Há apenas duas: árabes e curdos. A grande divisão é entre xiitas e sunitas. Os curdos são em maioria muçulmanos sunitas.
O livro de Kamel ajuda a compreender o mundo de controvérsias e coincidências entre as três religiões monoteístas vindas de Abraão -judeus, cristãos e muçulmanos- e a convergência de seus princípios básicos.
Só quem visita aquela região, como eu fiz há oito anos, à Síria e ao Egito, e há dois anos, à Jordânia, vendo como seus povos se subdividem em seitas, ritos e grupos, pode compreender como é complexo o que ali acontece e como é difícil encontrar soluções. Houve mesmo uma reunião do InterAction (organização de ex-chefes de Estado e de governo de que faço parte) com teólogos católicos, protestantes, muçulmanos, judeus, budistas, hinduístas e confucionistas na tentativa de descobrir um caminho de entendimento para a humanidade.
É essa busca de desfazer equívocos e encontrar esse terreno comum que descreve o livro de Ali Kamel.
Nesses debates foi encontrado um ponto em comum entre todas elas: "Não façam a ninguém aquilo que não querem que lhe façam".
Fiquei impressionado quando li sobre a lei islâmica, conhecida como Charia, que se baseia em normas fixas, quase regimentais, e chega a detalhes incríveis, curiosidades para nós, até mesmo regras sobre depilação, remoção de sobrancelhas, coito interrompido, não abandonar a mulher nos dias de menstruação, abate de animais cortando a cabeça e tantas e tantas normas, que as sucessivas gerações não flexibilizaram.
O livro do Ali Kamel é um repositório fantástico de informações e dados nunca antes revelados em língua portuguesa e envolve sobre o assunto um saber enciclopédico, que merece ser conhecido e lido.
Folha de S. Paulo (SP) 26/10/2007