SEMPRE associamos o futuro à idéia do melhor, do avanço da humanidade a um tempo de sublimação do corpo e da alma. De melhores condições de vida e de realização das virtudes humanas.
Não são raras as associações utópicas de um mundo sem limitações nem diferenças, a busca da igualdade e, para usar uma síntese antiga, da fraternidade. O passado vem sempre concebido como tempo de vacas magras, e os cantores deste são tidos como caretas saudosistas.
Prenúncios surgem de que o futuro está chegando, mas não aquele futuro Eldorado que nos construíram, e sim um tempo que talvez seja um pouco daquilo que o urbanista Doxiadis pensou e resumiu numa palavra, sendo a antítese da utopia, a distopia (lugar ruim).
Não sou o pessimista a ver catástrofe à frente, mas me preocupo com os sinais desse tempo antecipado. Fukuda, um excepcional estadista do Japão, tinha uma só obsessão: o perigo da explosão demográfica. Alertava ser este o grande inimigo da humanidade. Àquela época, éramos apenas cinco bilhões, hoje somos seis e meio: 20% são chineses; 17%, indianos.
Essa gigantesca população naquelas regiões asiáticas corresponde hoje, o que não acontecia no passado, a uma formidável expansão no consumo de alimentos e bens. Esse fato tem puxado o mundo para uma era de acelerado crescimento. As distâncias são diminuídas pela nova tecnologia dos transportes, pelo aumento do número e do tamanho dos navios e aviões, a velocidade destes limitada pela barreira do som, mas o transporte marítimo e intermodal (trens), acelerados com a racionalização dos portos e com a técnica de contêineres. Essa babel é o motor do atual "boom" econômico.
Um dos problemas que surgem nesse painel é o dos alimentos. Um balanço mundial descompensado faz os preços subirem. Umas regiões aumentam o consumo e outras são excluídas de consumir. A África está à frente de todas. Ali a fome é endêmica e não há perspectiva de as coisas mudarem.
Dois movimentos no tabuleiro mundial alteram o quadro: um, o preço de fertilizantes e de insumos agrícolas atrelado ao explosivo aumento do petróleo; outro, a especulação das commodities, que atinge o mercado de alimentos em geral.
Malthus acreditava que a fome iria controlar o crescimento populacional. Quando as guerras e as pestes não cumprissem essa tarefa, seria a vez da falta de alimentos. Consumo e preços estariam destinados a uma aliança diabólica para matar o mundo de fome.
Será que Malthus, depois de um período de desmoralização, está voltando ou vamos ter mesmo de plantar batatas?
Folha de S. Paulo (SP) 16/5/2008