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O auge da judicialização

 

A judicialização da política terá seu previsível auge no ano eleitoral de 2018, e não apenas pelos recursos a que o ex-presidente Lula recorrerá, no TSE, no STJ e no STF, em caso de uma provável condenação em segunda instância no TRF-4 que o impeça de se candidatar à presidência da República pela aplicação da Lei da Ficha Limpa.

A condenação em segunda instância poderá levá-lo à cadeia, caso ainda esteja em vigor a decisão do Supremo que permite a prisão antes do trânsito em julgado. Como o STF deve voltar a analisar essa questão no início do próximo ano, com tendência de a maioria mudar de posição, desta vez em caráter definitivo, é provável que o ex-presidente não possa ser preso antes de esgotar todos os recursos.

Haverá então outros embates jurídicos, sobre a possibilidade de disputar a presidência da República, mesmo incluído na Lei de Ficha Limpa. É nessa série de recursos que está a esperança dos petistas de levar a candidatura de Lula até ela se transformar em fato consumado. Porém, a jurisprudência do TSE, que terá o ministro Luis Fux na presidência a partir de março, é impugnar automaticamente a candidatura de condenado por colegiado, seguindo a Lei da Ficha Limpa, que não trata de eventuais recursos.

No entanto, uma decisão do Superior Tribunal de Justiça diz que não é possível a impugnação antes de todos os recursos estarem esgotados. O caso acabará no Supremo Tribunal Federal, que poderá dar uma liminar para que Lula dispute a eleição, por medida monocrática ou do plenário, ou poderá impedi-lo.

Caso a proposta de emenda constitucional (PEC) do semiparlamentarismo seja apresentada e aprovada ainda no próximo ano, teremos diversos outros temas constitucionais para o Supremo dirimir, a começar pela vigência da alteração.

O texto preliminar diz que o novo regime será aplicado a partir do primeiro dia do mandato presidencial subsequente à aprovação, o que significa que estará valendo já para a eleição de 2018. Mas o artigo 16 da Constituição dizque“a lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não se aplicando à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência”.

A primeira discussão será sobre o que é “o processo eleitoral”. Já houve esse debate sobre a aplicação da Lei da Ficha Limpa, e o Supremo decidiu, em votação apertada, que o “processo eleitoral” era afetado pela nova legislação, pois ela definiria quem poderia ou não se candidatar.

A mudança de sistema de governo, do presidencialismo para o semipresidencialismo, não afeta diretamente o processo eleitoral, pois o presidente da República continuará sendo eleito pelo voto direto, mas as conseqüências do voto de cada eleitor serão diferentes no novo sistema, pois os partidos que fizerem maioria na Câmara indicarão o primeiro-ministro, e o presidente da República terá novas funções, o que pode ser considerado uma interferência no “processo eleitoral”.

Há também a discussão sobre se uma emenda constitucional pode alterar uma cláusula pétrea comoo princípio da anualidade eleitoral, também chamado de anterioridade eleitoral, criado em 1993 com a aprovação da Emenda Constitucional (EC) nº 4, que deu nova redação ao artigo 16 da Constituição Federal, justamente para impedir que novas regras interfiram no processo eleitoral. 

Antes disso, porém, será preciso saber se é possível mudar o sistema de governo sem submetê-lo a um plebiscito, como já foi feito duas vezes na tentativa vã de implantar o parlamentarismo no Brasil.

Outro ponto controverso no projeto do semipresidencialismo está noartigo 82, que prevê que (...) “Ninguém poderá exercer mais do que dois mandatos presidenciais, consecutivos ou não”.Haverá quem veja nessa mudança outra barreira para a candidatura de Lula, que já foi presidente duas vezes. Se a emenda superar todos os obstáculos jurídicos e entrar em vigor já para a eleição de 2018, Lula estaria impedido.

Mas se ela valer apenas para a eleição de 2022, o ex-presidente pode ser até beneficiado caso vença a próxima eleição. Como será eleito pelo atual sistema presidencialista, ele poderia disputar novamente a presidência por um sistema semipresidencialista, e tentar novamente a reeleição, ficando assim, caso tenha sucesso, mais três mandatos seguidos como presidente.

Como se vê, tudo pode acontecer no ano que vem.

O Globo, 08/12/2017