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O ato final?

 

A decisão do juiz Sérgio Moro de transformar em ré a jornalista Claudia Cruz, mulher de Eduardo Cunha, acatando a denúncia da força-tarefa da Lava-Jato que a acusa de lavagem de dinheiro e evasão de divisas, vem acompanhada de teoria jurídica relativamente nova em nosso sistema, a da “cegueira deliberada”, e pode ter conseqüências graves, como já aconteceu com outros réus da Lava-Jato que tiveram parentes alcançados pela Justiça.

Nesse caso, também a filha de Cunha, Danielle Dytz, embora não tenha sido denunciada, segundo a força-tarefa da Lava-Jato continua sendo investigada. Assim como no mensalão utilizou-se a “teoria do domínio do fato” para dar base à condenação do ex-ministro José Dirceu, agora o juiz Moro se utiliza de uma teoria em uso nos Estados Unidos, mas muito nova aqui no Brasil, que provoca polêmica.

Como ficou reafirmado agora no processo do petrolão, Dirceu tinha realmente o “domínio do fato”, embora esteja ficando claro que não era ele o chefe da quadrilha. A lavagem de dinheiro é um crime que não pressupunha o “dolo eventual” pela teoria jurídica que prevalecia antes do surgimento da Teoria da Cegueira Deliberada, criada pela Suprema Corte dos Estados Unidos para as situações em que um agente decide não notar a provável ilicitude da procedência de valores com o objetivo de se beneficiar da situação.

Até agora, de acordo com vários tratados internacionais, só se caracteriza a lavagem de dinheiro quando existe a “culpa consciente”, isto é, quando agente conhece a origem ilegal do dinheiro e usa de subterfúgios para se beneficiar dele. No entanto, a União Européia já está adotando a teoria surgida nos Estados Unidos, à medida que o combate à lavagem de dinheiro ganhou dimensão maior diante do terrorismo e do tráfico de drogas.

A Operação Lava-Jato tem diversos exemplos de presos que fizeram delação premiada a partir da prisão de parentes dos acusados, a começar pelo pioneiro dos delatores, o ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa, que decidiu falar quando seus filhos, que participavam lateralmente do esquema, foram apanhados nas investigações.

Também o ex-presidente da Eletronuclear, Almirante Othon Luiz Pinheiro da Silva, teve sua filha envolvida no esquema. E recentemente o ex-presidente da Transpetro, ex-senador Sérgio Machado, decidiu colaborar quando as investigações chegaram a seus dois filhos, que participavam do esquema e também fizeram acordo de delação premiada. 

O caso de Eduardo Cunha tem dois aspectos distintos: o processo no Conselho de Ética na Câmara por ter mentido ao negar que tivesse contas no exterior, e a origem do dinheiro que está depositado num trust, que ele alega, tecnicamente apoiado por interpretações jurídicas como a do ex-ministro do STF Francisco Rezeck, que não deveria ter declarado por não ser o dono, mas o beneficiário do dinheiro.

Se é possível aceitar essa explicação, uma tecnicalidade que pode ser favorável a ele no julgamento no Conselho de Ética, fica impossível sustentá-la quando Eduardo Cunha não tem condições de explicar qual a origem do dinheiro entregue por ele ao trust.

As investigações da Operação Lava-Jato rastrearam o dinheiro que abasteceu o trust e as empresas offshores usadas por ele e por sua mulher Cláudia Cruz, e foi capaz de constatar que dinheiro desviado da Petrobras era a origem dos fundos. A questão da declaração dessas empresas no exterior é menor no caso, pois se a origem legal do dinheiro pudesse ser comprovada, bastaria pagar uma multa para legalizar as offshores que financiavam o cartão de crédito com os gastos mirabolantes da mulher de Cunha e dele próprio.

Foi o caso do marqueteiro Duda Mendonça, que confessou na CPI dos Correios, na época do mensalão, ter recebido um pagamento por fora do PT no exterior, e não foi punido criminalmente. Bastou pagar uma multa para regularizar sua situação, pois ele declarou a origem do dinheiro, o pagamento de um trabalho realmente realizado.

No caso de Cunha e Claudia Cruz, eles poderiam resolver seus problemas com a Receita se pudessem explicar a origem lícita do dinheiro, o que as investigações mostraram ser uma tarefa impossível. Resta agora aguardar a reação de Cunha diante da possibilidade de sua mulher – e a filha, talvez – ser condenada. Uma delação premiada dele provavelmente representaria o ato final da implosão do sistema político-partidário que conhecemos hoje.
 

Correção
Por uma falha técnica, um parágrafo da coluna de ontem saiu repetido no jornal impresso. O texto correto foi publicado no blog.      
 

O Globo, 10/06/2016