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Novo teste de paciência

 

No Rio, depois da tempestade, não vem a bonança, mas as desculpas esfarrapadas. O secretário municipal de Ordem Pública, por exemplo, disse que não alertou a população sobre a extensão do temporal para não criar pânico. Mas essa omissão acabou por permitir que se instalasse o caos sem aviso prévio. Às 18h da última terça-feira, quando o temporal já estava alagando a cidade, o Centro de Operações Rio (COR), criado para agir nas situações de emergência, lançou um boletim informando sobre uma frente fria trazendo chuva de moderada a forte. Nada sobre o risco de inundações. Se o alerta tivesse sido dado, provavelmente milhares de pessoas não teriam saído de carro e ficado presas dentro deles durante uma, duas horas, boiando em ruas transformadas em rios.

No dia seguinte, quando a chuva já tinha cessado, mas as ruas continuavam alagadas por falta de manutenção do sistema de drenagem, o prefeito declarou, satisfeito: “A cidade passou no teste”. Como irônicas ilustrações dessa afirmação, apareciam na mesma página do jornal fotos das consequências do temporal: pessoas se aventurando a pé com água até o joelho sem saber onde estavam pisando, veículos insistindo inutilmente em vencer a correnteza. 

Uma moradora do Jardim botânico, cujo telhado da casa foi derrubado pela chuva, lamentava a perda dos aparelhos de TV, DVD, rádio e telefone. A mãe de três filhos pequenos contava que perdera a casa numa favela da Tijuca e tudo o que havia dentro, ficando apenas com a roupa do corpo. Diante dessas e outras cenas, era difícil entender a afirmação otimista do prefeito de que o Rio passara no teste — só se foi no teste de paciência para o carioca. Em mais um.

É verdade que ocorrências desse tipo são muito anteriores a Crivella. O historiador Alberto da Costa e Silva lembra que Dom João VI reclamava de não poder sair do palácio em São Cristóvão nos dias de chuva por causa das enchentes. A jornalista Ana Lucia Azevedo teve acesso a uma pesquisa ainda inédita mostrando que os temporais castigam a cidade desde fins do século XIX. A coordenadora do estudo, Claudine Dereczynski, concluiu que as chuvas fortes aqui “podem chegar a qualquer hora”, o que desmonta outra alegação oficial de que o temporal de agora foi “atípico”. 

Atípica foi a decisão do prefeito de não se constranger em propor à Câmara o extorsivo aumento de até 100% no IPTU de um contribuinte que não vê retornar em serviços o que paga em impostos. Por que então não cobrar o tributo dos mais de dois mil imóveis que desfrutam de isenção, em muitos casos injustificável. 

A pergunta que tenho ouvido muito: “Quem sai primeiro, Pezão ou Temer?”

O Globo, 24/06/2017