Com a desistência do governo de levar adiante a proposta de aumentar em dois anos o curso de Medicina para que os alunos fizessem um estágio obrigatório como médicos do Sistema Único de Saúde (SUS), vai por terra a última das grandes ideias palacianas lançadas a toque de caixa para supostamente dar resposta aos anseios das ruas.
Daquele dia em que a presidente Dilma apresentou em cadeia nacional de rádio e televisão suas propostas de "pactos" com a sociedade até hoje, nenhuma delas teve condições de sobreviver ao intenso tiroteio crítico a que foram submetidas. Por insuficiência de conteúdo.
A convocação de estudantes para ajudar nos trabalhos do SUS era claramente inconstitucional, como parece ser a proposta apresentada ontem em substituição. Obrigar a que todos os estudantes façam dois anos de residência em hospitais e ambulatórios do SUS parece uma interferência do poder público nas decisões individuais dos futuros médicos. Como da primeira tentativa, talvez fosse o caso de colocar essa exigência somente para aqueles que estudaram com algum tipo de bolsa do Estado. Seria uma maneira de pagamento, e os que se inscrevessem para essas bolsas de estudo saberiam as condições.
A proposta de trazer médicos estrangeiros também causou grande revolta na área médica, especialmente pela tentativa de fazer isso sem que precisassem revalidar seus diplomas. O governo conseguiu com essa proposta colocar toda classe médica contra ele, e agora está detectando que os médicos estão usando as consultas para conseguir o apoio de seus clientes, especialmente na classe média das grandes cidades.
A ideia do programa Mais Médicos dá uma sensação de preocupação com a situação atual, e por isso tem o apoio da maioria dos cidadãos. Mas a execução do programa é criticável, pois as associações médicas queriam mesmo é que fosse desenhada uma carreira de Estado para a Medicina, o que levaria os médicos ao interior dentro de um planejamento de carreira de longo prazo.
A mais dramática e popularesca das propostas foi a convocação de uma Assembléia Nacional Constituinte exclusiva para tratar da reforma política, que seria convocada através de um "plebiscito popular". A impossibilidade de convocação de uma constituinte exclusiva foi demonstrada por diversos juristas, e a proposta foi devidamente desidratada depois que o ministro da Justiça José Eduardo Cardozo tentou afirmar que a presidente não havia dito o que realmente dissera.
Como o pronunciamento foi gravado, foi fácil demonstrar que ela realmente queria convocar uma Constituinte exclusiva que além de ser inconstitucional em si não poderia ser convocada pelo Executivo, pois cabe apenas ao Legislativo essa iniciativa. Ficou de pé apenas o "plebiscito popular", proposta com que a presidente pretendeu emparedar o Congresso, forçando a barra para que o povo definisse que pontos deveriam constar de uma reforma política.
Foi a vez do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) entrar em ação para demonstrar que não seria possível a convocação de um plebiscito que determinasse as novas regras para a eleição de 2014. Não havia tempo hábil para que as decisões fossem sugeridas e aprovadas para valerem no prazo de um ano antes da eleição, como manda a Constituição. E este prazo é entendido como uma cláusula pétrea, que não pode ser alterado.
Além do mais, algumas das perguntas que o Palácio do Planalto gostaria de incluir no "plebiscito popular" simplesmente não poderiam ser feitas pois implicariam em mudanças constitucionais.
Medidas concretas mesmo, o governo não anunciou nenhuma. Os cortes orçamentário de R$ 15 bilhões na maior parte referem-se a despesas que seriam feitas. A presidente Dilma indignou-se com a sugestão de reduzir sua enorme máquina ministerial de 39 ministros, afirmando que não haveria redução de despesas.
O presidente do PSDB, senador Aécio Neves, mostrou agilidade de candidato: além de criticar as declarações de Dilma, combinou com seu correligionário o governador de Minas, Antonio Anastasia, a adoção de medidas de austeridade anunciadas ontem. Até o final de 2013, diz o governo mineiro, o custeio terá redução de 13% devido à extinção ou fusão de secretarias, e corte de cargos de confiança.
Como consequência da antecipação da corrida sucessória, cada ato de governantes se transforma em uma ação política com objetivo certo. O choque de gestão que sempre foi uma bandeira do PSDB ridicularizada por Lula, passou a ser um ativo valioso na medida em que a população faça a ligação entre um governo eficiente e as respostas que ele dá em serviços públicos.
O Globo, 1/8/2013