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Não há motivo para rir

 

A foto da primeira página do GLOBO de segunda-feira, dia 2, mostra o presidente eleito da Câmara dos Deputados eufórico, a gargalhar, cercado pelos eleitores também álacres, punho esquerdo para o alto, numa demonstração de euforia pela vitória alcançada, parecida com a das torcidas de futebol quando os seus times derrotam os adversários.

Nada contra a alegria dos que alcançam as suas metas e conquistam postos de alta relevância na estrutura política do país. E a política de hoje, com a multiplicação de partidos e a escassez de ética e de moral, pior do que a falta de água e energia, foi bem definida pelo parlamentar Tiririca: “O circo é mais organizado do que a Câmara". Então por que reclamar da vitória festejada como se fosse a conquista de um prêmio concedido aos mais hábeis na manipulação de um tesouro político?

Nada contra. A foto do dia 2 mostra a alegria, o júbilo, o deleite e a felicidade de quem ritorna vincitor. Na comparação do deputado Tiririca, depreciativa para a Câmara dos Deputados, mas a esta altura dos acontecimentos isso não importa muito, também ficam alegres as pessoas que vão aos circos.

Para o poeta inglês Robert Browning (1812-1889), “Toda alegria é ganho, e o ganho é o ganho, inda que pequeno". No caso, o poeta se referia a outro tipo de ganho, o ganho da alegria do espírito, que nos torna mais humanos. Mas talvez seu verso, tomado literalmente, seja adequado ao caso em tela.

Enfim, nada contra a alegria, seja ela a gargalhada genuína depois de uma palhaçada ou de quem ganhou na loteria. Mas, dirão os mais céticos, no caso das eleições do dia 2, talvez os métodos utilizados para chegar à vitória não seguiram as regras dos cuidados e da atenção devidos à coisa pública. Outro cético dirá que ninguém é perfeito e, afinal, o Brasil sempre foi assim.

Não foi. A politicagem sempre corroeu a estrutura dos governos brasileiros, mas jamais com esta fome quase animal, e eu prefiro não colocar aqui o nome do único, além do homem, que também ri. Vivemos um momento triste da História do Brasil; não há motivo para rir, a não ser para os que pensam que os palhaços somos nós.

O Globo, 05/02/2015