REPITO, o desenvolvimento tem três aspectos: o econômico, o social e o político. É neste que reside o perigo brasileiro.
A política é a arte do bem comum, do governo e, como já pensava Voltaire, a política maior consiste em ser virtuoso.
Mas à política foi aplicada a arte da guerra. A democracia busca harmonizar opiniões para fazer o melhor governo.
Mas Lênin pregou e espalhou por todo lado que se deve fazer política como se faz a guerra, para exterminar o adversário, acabar com ele e eliminar todos os meios que lhe permitam renascer. Daí a irracionalidade e a passionalidade em alguns temas, que são discutidos como se não fossem idéias, mas pessoas.
Na CPMF deu-se justamente a evidência destes pontos: o subdesenvolvimento político, a natureza apaixonada e pessoal do debate, a crônica falta de funcionamento e de idéias programáticas dos partidos e a desorganização da instituição parlamentar. O tema não é político, é de Estado. Não é saber quem vai vencer ou perder a rixa política, é examinar o que o tema representa.
Quando a CPMF foi criada, foi levantada a tese de sua má qualidade. Esse debate ficou em aberto. Daí as palavras "provisória" e "contribuição", esta para disfarçar que era imposto e para não entrar na cesta de distribuição com os Estados.
O certo é que, com os anos, a aplicação desse imposto foi de boa qualidade. Tem sido uma grande arma, que evitou, a partir de 2001, que fossem sonegados R$ 6 bilhões anuais.
Depois, 72% dele são pagos por empresas. Apenas 17% são pagos por quem ganha mais de R$ 100 mil. A metade da população mais pobre contribui com apenas 1,8%.
Ele é empregado em Bolsa Família, aposentadoria rural, saúde. Outro aspecto bom é que ele corrige as desigualdades regionais. O Norte e Nordeste, por exemplo, arrecadam 24% e recebem 42%. É uma transferência de renda. Mas a oposição não quis ouvir nada, porque, como se diz no Nordeste, quando boi não quer beber, não adianta assoviar.
Derrubá-lo, sumariamente, sem um plano de substituição, é insensatez. Não se acaba assim com a carga fiscal. Se bastasse, poderíamos derrubar vários tributos, que já somam 76.
Depois da Constituição de 88, não há como evitar o crescimento da carga tributária. Mais encargos, mais impostos. No meu tempo de presidente, era de 24%, hoje é de 38%. E agora? O governo vai ter de buscar dinheiro onde ele estiver. E sempre estará no bolso do povo.
Se a queda da CPMF foi para criar problemas de governabilidade, o objetivo foi atingido. Resta saber qual a parte que restou ao povo "neste latifúndio", como no verso de João Cabral de Melo Neto.
Jornal do Brasil (RJ) 14/12/2007