Em meados dos anos 60, a recém-criada Escola Superior de Desenho Industrial do Rio promoveu palestra de um professor italiano então conhecido apenas no círculo universitário (seu best-seller “O nome da rosa” só iria ser lançado uns 20 anos depois). Com medo de que a sala, mesmo pequena, ficasse com lugares vazios, nós, os que lecionávamos lá, saímos à cata de público — alunos, funcionários e até quem estivesse passando pela porta. Assim, as cerca de 30 cadeiras acabaram ocupadas, e pudemos assistir ao erudito, agradável e bem-humorado papo daquele que viria a ser o mais importante semiólogo do século e um dos maiores intelectuais contemporâneos.
Umberto Eco já tinha escrito seu clássico “Obra aberta”, que fez a cabeça dos que se dedicavam ao estudo da comunicação de massa. Com ele, aprendemos que uma mensagem artística é fundamentalmente ambígua, permitindo mais de uma interpretação, independente da intenção do autor. A leitura pode ser tão livre quanto a escritura. Ao contrário de um texto jornalístico ou científico, que é unívoco, só admite um sentido, a arte é ambivalente. Graças à semiótica ensinada por ele, sabemos também que a linguagem não verbal, a dos objetos como um sistema de signos, é um fenômeno de comunicação, porque os elementos, além do valor de uso, têm uma dimensão simbólica. Um produto de design, como um carro ou um simples garfo, pode informar sobre o status e o gosto de alguém. Por isso, fala-se tanto em “código”, “discurso visual” e em “ler” uma construção arquitetônica ou uma pintura.
Após “Obra aberta”, seguiram-se “Apocalípticos e integrados”, “Estrutura ausente” e muitos outros ensaios sobre as principais questões da atualidade cultural: televisão, publicidade, imprensa, cinema, esporte, ecologia, religião, política. Com uma erudição que impressionava seus pares, ele não discriminava assunto, nada lhe era indiferente. Saía de um mergulho na Idade Média para uma incursão em terreiros de umbanda e candomblé, como fez em São Paulo e no Rio, não como turista, mas como estudioso. Nestes casos, as visitas lhe renderam uma minuciosa crônica-ensaio no livro “Viagem na irrealidade cotidiana”. Voltou para a Itália sabendo perfeitamente a diferença entre umbanda e candomblé, suas entidades e seus rituais, e íntimo, digamos assim, dos orixás, de Oxalá, Exu, Xangô. Admitindo que fazia perguntas “embaraçosas”, ele se desculpou com o pai de santo pela curiosidade de “ordem teológica e filosófica”. No fim, quis saber de que orixá era filho. O sacerdote olhou nos seus olhos, examinou a palma de suas mãos e disse: “Oxalá”. Ele ficou orgulhoso.
Portanto, não foi por preconceito contra novidades que Eco criticou a internet ao dar a palavra a uma “legião de imbecis”. Ele podia exagerar, mas sabia das coisas.