O orçamento impositivo, que o presidente da Câmara Henrique Alves pretende aprovar, é a mais nova dor de cabeça para o Palácio do Planalto. Mas pode vir a ser uma mudança estrutural importante na política brasileira. Há quem considere que a sua aprovação pode trazer um ponto altamente vantajoso: acabar o “é dando que se recebe” com relação às emendas parlamentares, provocando uma redefinição de forças no Congresso por que parlamentares deixarão de se alinhar automaticamente com o governo só para liberar suas emendas.
Toda vez que existe uma votação importante no Congresso, há também uma corrida de deputados e senadores ao Palácio do Planalto em busca da liberação de verbas contingenciadas do orçamento federal.
Esse é o sistema “é dando que se recebe”, expressão de São Francisco de Assis utilizada no contexto da troca de votos por verbas pelo então deputado paulista Roberto Cardoso Alves, que dá à opinião pública uma péssima impressão da relação entre os congressistas e o Executivo, ampliando a sensação de que o fisiologismo impera.
Esse processo de contingenciamento de verbas para emendas parlamentares foi aperfeiçoado no governo Fernando Henrique, tornando-se o principal instrumento de controle das votações no Congresso, transformando algo que é legal, num mecanismo de disciplina de voto.
Deputados experientes no Congresso consideram que o Legislativo se tornou um departamento do Poder Executivo. O deputado Miro Teixeira acha que o Orçamento tem que ser mesmo impositivo, e não autorizativo como é hoje, e cita os Estados Unidos, onde o debate é feito na sociedade. Ele gosta dedar o seguinte exemplo: um burocrata que não tem um voto pode fazer o desenho da Transamazônica, mas o deputado está impedido de colocar no orçamento uma grande estrada, mesmo que a fundamentação esteja correta.
Essa situação de submissão seria atenuada se os partidos se guiassem por programas para participarem do governo, mas no sistema atual um partido recebe um ministério sem mesmo saber qual é o programa que vai conduzir.
Ao contrário dos países mais desenvolvidos, onde 70% do trabalho do Legislativo é definição do Orçamento, quem define é o Executivo, e, se um parlamentar quiser alguma mudança, tem que negociar com o Executivo, além de ter que mendigar – essa a expressão mais usada – para aprovar suas emendas, que é a parte do orçamento que passará a ser impositivo se a proposta de emenda constitucional for aprovada.
Na Constituição de 1946 os parlamentares podiam emendar o orçamento inteiro, como nos Estados Unidos se emenda. A partir da ditadura militar, o orçamento passou a ser tratado como um decreto lei. O Congresso só podia aprová-lo ou rejeitá-lo, não podia emendá-lo. E os deputados e senadores tinham uma cota para dar verbas a entidades assistenciais.
A Constituição de 1988 retomou o espírito da de 1946, com a capacidade de emenda do Congresso. Mas no governo Collor surgem os “anões do orçamento”, com o ex-deputado João Alves – que “ganhou “várias vezes na loteria - de relator que contingenciava o emendamento, e os deputados só podiam emendar 20% do orçamento, “em nome da moralidade”.
Mas os anões – todos os deputados envolvidos no escândalo eram baixinhos - incluíam suas emendas direto no Ministério do Planejamento. Hoje existe um núcleo de poder que aumenta a previsão da receita para aumentar a despesa, aumentando também as emendas dos deputados e as emendas de bancadas, criadas no rastro dos Anões.
O governo começou a se valer dessa mecânica para subjugar o Parlamento. Só libera as emendas dos parlamentares “adestrados”. Essa situação pode mudar com o orçamento impositivo. Mas é preciso que o Executivo tenha condições de vetar uma proposta absurda de emenda parlamentar.
O Globo, 7/8/2013