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Mudança de vento

 

O Procurador-Geral da República, Augusto Aras, sabe para que lado o vento sopra. Chegou ao cargo por fora da lista tríplice, acenando a Bolsonaro com o controle do Ministério Público, cuja autonomia incomoda políticos de diversos matizes – afinal, a corrupção não tem ideologia – o Judiciário de maneira geral e o presidente Bolsonaro, que era a favor do combate à corrupção até que as investigações chegaram perto dos seus.  

O vento, que já soprou a favor da Lava-Jato, hoje venta para o outro lado, mesmo que a popularidade de Sérgio Moro continue alta, com as forças políticas tentando se reorganizar para recuperar o espaço perdido. O centrão já foi reabilitado, figuras como Roberto Jefferson já circulam com desenvoltura no poder, e a Lava-Jato está sendo desidratada, embora ainda existam muitas investigações já começadas ou a começar. Ou por isso mesmo.  

Embora a Operação Lava-Jato seja a mais popular, o sistema de força-tarefa em que ela opera está espalhado por todo o país na ação do Ministério Público que atua não apenas no combate à corrupção, mas contra crimes ambientais, trabalho escravo, e vários outros assuntos.

 Como não existe uma norma que regulamente o funcionamento de forças-tarefas, e os procuradores têm, pela Constituição, autonomia na investigação, a Procuradoria-Geral da República não tem interferência na maneira como essas diversas forças-tarefas se organizam. Na visão da Procuradoria-Geral, esse sistema, que reúne especialistas de diversas áreas a fim de investigar determinado assunto, “está esgotado, é desagregador e incompatível com a instituição”.  

Embora não possa interferir diretamente nas investigações, Augusto Aras pode controlar as forças-tarefas pela gestão dos recursos, que é de sua alçada. O pedido de demissão do cargo de Anselmo Lopes, procurador-chefe da Operação Greenfield, que investiga um desvio dos fundos de pensão de bancos públicos e estatais, deveu-se à falta de condições para prosseguir o trabalho, pois a equipe, que já contou com cinco procuradores, ficará apenas com ele em dedicação integral devido à recusa da PGR de prorrogar o empréstimo de dois procuradores que estavam ali alocados.   

O mesmo expediente foi adotado na Lava-Jato de São Paulo, que perdeu três procuradores de tempo integral e em Curitiba, onde os procuradores terão de acumular os casos da força-tarefa com outros de outras origens. Além de terem perdido o coordenador, Deltan Dallagnol, devido a problemas de saúde na família que o impedem de continuar enfrentando os ataques que sofre, inclusive no Conselho Nacional do Ministério Público, onde Aras tem influência.  

O pretexto de reorganizar as forças-tarefas embute a vontade política de controlar as investigações, o que aumentará o cacife do Procurador-Geral Augusto Aras no xadrez político de Brasília. Ele alega que o pedido de demissão coletiva de sete procuradores da Lava-jato em São Paulo deveu-se a uma disputa interna, no que está tecnicamente correto.  

No entanto, essa desavença só existiu porque Aras, com suas críticas permanentes à atuação da Lava-Jato, estimula dissidências e se beneficia de informações internas na sua luta contra o “lavajatismo”, como pejorativamente se refere à principal força-tarefa do Ministério Público.  

Foi em relatos da procuradora Viviane de Oliveira Martinez que Aras se baseou para dizer que a distribuição de tarefas não seguia as normas, mas os interesses dos procuradores.  Ao minar a força-tarefa, não só se coloca como uma alternativa para Bolsonaro na escolha do substituto de Celso de Mello, como no mínimo ganha mais força enquanto Procurador-Geral.  

A decisão de renovar em prazos curtos, de até dois meses, o funcionamento das forças-tarefas e de seus integrantes, imobiliza as equipes, que não podem ter uma visão de médio prazo pelo menos para as investigações. A neutralização das forças-tarefas, principalmente as que têm mais importância política, faz parte de um conjunto de medidas que estão sendo tomadas no Judiciário e no Congresso para evitar que o Ministério Público exerça suas tarefas autonomamente, sem interferências políticas.

O Globo, 05/09/2020