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Mau sinal

 

Nunca a liberdade de expressão foi tão discutida entre nós como nos últimos dias, o que é um mau sinal. Sempre que se tem que reafirmar uma das pedras fundamentais da democracia, significa que ela está em perigo. São muitas as razões para que o tema atual seja esse, e o santo nome da liberdade de expressão é usado em vão com frequência jamais vista. Começando pelo desenrolar do caso das contas que disseminavam notícias fraudulentas bloqueadas por determinação do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF).

O caso acabou destacando uma das muitas possibilidades tecnológicas dos novos meios que podem ser usadas para o bem e para o mal. As contas bloqueadas no Brasil foram transferidas para o exterior para continuar a atacar a democracia e suas instituições, mas o Facebook recusa-se a bloqueá-las novamente, alegando que a legislação brasileira não abrange outros países, e diz que assim está ajudando a manter a liberdade de expressão.

Essa é uma escusa marota, pois caso um pedófilo use o mesmo estratagema para se esconder atrás de um IP estrangeiro para continuar agindo no Brasil, certamente nenhum novo meio digital desses se recusará a auxiliar a Polícia para prendê-lo. Ou se alguém, para superar a legislação de direitos autorais, se registrar no exterior para ver uma série ainda não liberada no Brasil, poderá ser punido. Caso usasse o seu IP do Brasil, seria logo avisado que o vídeo não está disponível naquela região.

Da mesma maneira, se o Supremo Tribunal Federal (STF) considera que essas contas são utilizadas para cometerem crimes no Brasil, não cabe ao Facebook confrontar a decisão, mas impedir que elas sejam divulgadas aqui. Soa como uma censura, mas o ministro Alexandre de Moraes explica que não se trata de determinar que qualquer outro país cumpra uma decisão da Justiça brasileira, mas sim que o Facebook não permita que do Brasil se possa visualizar os perfis bloqueados, mesmo que, fraudulentamente, tenham mudado o IP para os EUA.

O ministro também explica em sua nova decisão que não há censura prévia, mas de fatos pretéritos. Os bloqueados poderão abrir novas contas, aqui mesmo no Brasil, não havendo nenhuma proibição para que continuem a se manifestar em novas contas e em entrevistas.Se praticarem crimes de novo, serão responsabilizados.

A liberdade de expressão também esteve sob ataque com algumas decisões recentes do governo. Um relatório sigiloso produzido pelo ministério da Justiça cita mais de 570 servidores públicos, muitos ligados à área de segurança, identificados como membros de movimentos antifascismo.

O governo alega não se tratar de investigação, mas admite que monitorou servidores contrários ao governo. O Ministério Público Federal (MPF) deu dez dias à Justiça para explicar a medida, que não se baseia em inquérito ou decisão do Judiciário.

Esta é uma diferença básica entre essa ação, que mais parece uma atividade de polícia política, e a do Supremo, que deriva de um inquérito que, se na sua origem foi questionado e usado abusivamente como no caso de censura à revista eletrônica Crusoé, hoje, depois de correções, está avalizada pelo plenário do STF e pela opinião pública, e se demonstrou um instrumento eficiente para conter essa avalanche de fake news organizada com objetivos claramente políticos ilegais.

Outra norma, esta editada pela Controladoria-Geral da União (CGU), defende punição a servidor público que critique o governo nas redes sociais. De acordo com a nota técnica, o funcionário público pode ser enquadrado por “descumprimento do dever de lealdade” se as mensagens divulgadas produzirem ‘repercussão negativa à imagem e credibilidade’ da instituição que integra. Um exemplo claro: se um funcionário de órgão da Saúde se manifestar contra a adoção de cloroquina no combate à Covid-19, poderá ser punido.

O Globo, 01/08/2020