Surpreendente, devido às posições anteriores de contenção do foro privilegiado, mas nem tanto, pelas decisões recentes alinhadas ao governo Bolsonaro, o posicionamento da Procuradoria-Geral da República (PGR), defendendo que o Supremo Tribunal Federal (STF) recuse o recurso do Ministério Público do Rio de Janeiro que questiona decisão do Tribunal de Justiça do Rio a favor do foro privilegiado do senador Flávio Bolsonaro no caso das “rachadinhas” não tem como prosperar se a jurisprudência do Supremo for seguida, como tem sido até hoje.
Estavam na primeira instância pelo entendimento de que os casos ocorreram quando ele era deputado estadual, e, portanto, pela interpretação do Supremo de 2018 de que o foro privilegiado só serve para crimes cometidos no exercício do mandato e em função dele, não tinham nada a ver com o atual cargo de senador.
A grande discussão levantada tanto pela defesa de Flavio Bolsonaro quanto pela PGR é sobre “mandatos cruzados” ou “mandatos prolongados”, quando um político passa de um cargo para outro em eleições seguidas, que não estariam tratados na decisão do Supremo. “Da mesma forma que não há definição pacífica do Supremo Tribunal Federal sobre ‘mandatos cruzados’ no nível federal, também não há definição de ‘mandatos cruzados’ quando o eleito deixa de ser representante do povo na casa legislativa estadual e passa a ser representante do Estado da Federação no Senado Federal (câmara representativa dos Estados federados)”.
Alegando que não há essa definição, a PGR diz que a reclamação do Ministerio Público do Rio é indevida pois “não pode ser usada para alcançar entendimento inédito” no STF. Essa falta de definição é questionada em particular por muitos dos ministros do Supremo, mas o ministro Marco Aurélio Mello já se pronunciou na ocasião, afirmando que a decisão "desrespeitou, de forma escancarada" o entendimento do STF sobre o alcance do foro privilegiado.
A Primeira Turma do STF, acompanhando por maioria o parecer do próprio Marco Aurélio, decidiu no ano passado enviar para a Justiça Federal de São Paulo inquérito que investigava denúncias de dirigentes da JBS sobre fatos ocorridos quando Aécio Neves era senador por Minas Gerais.
Os deputados estaduais são julgados pelos Tribunais de Justiça, mas deputados federais e senadores são da alçada do Supremo. Diferentemente de Flavio Bolsonaro, que mudaria de instância, Aécio Neves poderia alegar que continuava sob a jurisdição do STF, pois passou de senador a deputado federal.
Mas o relator, ministro Marco Aurélio, entendeu que os casos aconteceram num mandato que já se esgotara e, portanto, o deputado mineiro já não não tinha foro privilegiado em relação a eles. Por esse entendimento majoritário no STF, tanto Aécio quanto Flavio não têm mais o mandato em que os fatos ocorreram, e portanto devem ser julgados como qualquer outro cidadão, na primeira instância.
Também os ministros Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes, da Segunda Turma, em que o presente caso de Flavio Bolsonaro será julgado, enviaram inquéritos de Aécio para a Justiça Eleitoral. A maioria dos ministros do Supremo considera desnecessária a especificação cobrada pela Procuradoria-Geral da República, pois ambas as Turmas têm usado a mesma interpretação da legislação.
Se houver, no entanto, uma mudança de entendimento da Segunda Turma, é certo que será preciso uma revisão do plenário, para dirimir dúvidas sobre os “mandatos cruzados”. Mesmo que a decisão futura do plenário não favoreça a tese do Tribunal de Justiça do Rio, que lhe deu foro privilegiado no STF, o senador Flavio Bolsonaro não perderia esse privilégio, pois a lei só retroage em benefício do réu, nunca contra.