Lula não está morto, está mais vivo do que nunca. Quem avisa é o próprio ex-presidente, para não deixar morrer a lenda de que é um negociador político insuperável. Joga com a expectativa de poder que ainda pode exalar para tentar reverter os votos contra a presidente Dilma na batalha do impeachment no plenário da Câmara.
Mas o golpe que recebeu do Procurador-Geral da República, Rodrigo Janot, parece ter sido um direto no queixo. Pelo menos assim interpretaram muitos dos deputados alvos de sua ação, que já imaginam Lula na lona.
Mesmo que o Supremo Tribunal Federal (STF) não acate o parecer de Janot, e devolva a Lula o Gabinete Civil da Presidência, a dúvida sobre sua real importância no cenário atual fez com que perdesse poder político na hora mais necessária. No mínimo vai ser difícil para os ministros do STF não encararem a denúncia do Procurador-Geral de que a nomeação de Lula foi uma tentativa de obstruir a Justiça.
O Supremo só tratará do caso depois da votação do impeachment, o que faz com que ele não possa acenar com sua presença no Palácio do Planalto como garantia de que suas promessas serão cumpridas.
Como anunciou em um comício que tomaria posse no ministério na quinta-feira passada, e nada aconteceu, ficou a sensação de que anda prometendo o que não pode entregar, assim como insinuou uma capacidade de influência no Supremo que na realidade não tem.
Ninguém mais tem certeza sobre o poder de Lula depois que o Procurador-Geral da República mostrou a independência que Lula queria tirar dele, como revelou uma das conversas telefônicas grampeadas.
Lula disse a um interlocutor que Janot era ingrato, pois o nomeara para o cargo, e recebeu de volta o comentário de que o Procurador-Geral da República só se considera devedor de gratidão a sua família. De fato, Janot foi o primeiro de uma lista tríplice, e Lula apenas seguiu a tradição. É certo que poderia ter escolhido um dos outros dois, mas isso não o faz credor da gratidão do nomeado.
Essa visão patrimonialista de Lula, que considera uma traição ministros e juízes nomeados por ele votarem contra seus interesses, é uma das facetas mais perversas reveladas pelos áudios das conversas de Lula, pois até mesmo aquele linguajar chulo pode ser relevado, por se tratarem de conversas informais.
Mas a exibição pública de como Lula trata as questões de Estado retira dele até mesmo o que parecia uma grandeza de sua parte, a nomeação de ministros do Supremo que se mostraram independentes em seus votos.
Como não tivemos acesso aos áudios das conversas de Lula durante o mensalão, não soubemos como ele reagiu a cada voto de ministros como Ayres Brito, Joaquim Barbosa, Cezar Peluso ou Carmem Lucia, todos indicados por ele e que tiveram comportamentos independentes durante o julgamento. Mas agora podemos imaginar.
Quando Lula e o PT criticam a atuação de Geraldo Brindeiro como Procurador-Geral na época de Fernando Henrique Cardoso, chamando-o de “engavetador-geral”, sabemos agora que não passa de inveja, em vez de exaltação da imparcialidade.
Lula queria mesmo que Janot fosse tão grato a ele quanto acha que Brindeiro foi a FHC, sem imaginar que o Procurador-Geral da República na era tucana possa apenas ter seguido a lei e não recebido as reclamações por considerá-las ineptas. O senador petista Lindbergh Farias, um dos mais constantes interlocutores de Lula no momento, definiu bem a situação dizendo quem as críticas que os petistas fazem ao ministro Gilmar Mendes, do STF, é inveja por não terem um Gilmar do lado deles.
Para reforçar sua imagem de poderoso, deixa que espalhem que já está escolhendo o futuro chefe da Polícia Federal em conversas com o novo ministro da Justiça Eugênio Aragão, esse sim, demonstrando diariamente que é mesmo amigo do PT, como Lula exigiu em uma das conversas telefônicas gravadas: “Esse Aragão tem que fazer papel de homem, parece que é nosso amigo, parece, parece, mas está sempre dizendo olha...”.
O fato é que a dúvida sobre o real poder de Lula retirou de suas negociações contra o impeachment a força que ele anuncia que ainda tem.