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Lições da Rio-92

 

No dia 14 de junho, há 15 anos, encerrou-se a Conferência da ONU sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro. A Rio-92 inaugurou o ciclo das importantes conferências sobre temas globais patrocinadas pela ONU na esperançosa década de 90. Foi a primeira grande conferência diplomática pós-guerra fria e por esta razão não foi moldada pela polaridade Leste-Oeste. Teve alcance inovador, como, por exemplo, a assinatura da Convenção sobre Diversidade Biológica, e desdobramentos importantes. O mais notório foi a antecipação da ameaça do aquecimento global. Este teve na Rio-92 o seu enquadramento inicial, com a assinatura da Convenção-Quadro sobre Mudança do Clima, que tratou da estabilização do lançamento de CO2 na atmosfera.


O conceito do desenvolvimento sustentável, lançado pelo Relatório Brundtland de 1987, foi o impulso orientador consagrado na Rio-92. Neste conceito estão consorciadas a legítima preocupação com o meio ambiente e a não menos legítima preocupação com o crescimento econômico e a pobreza. É um paradigma do desenvolvimento que, além dos requisitos de consistência econômica, leva em conta a fragilidade dos ecossistemas. Objetiva o reconhecimento dos Outros: dos nossos contemporâneos no espaço de um mundo comum, das futuras gerações na amplitude do tempo. Sustenta a necessidade da solidária internalização cooperativa dos custos da ação econômica. É uma expressão do valor justiça ao reivindicar uma distribuição eqüitativa - nacional e internacional - dos custos e benefícios do desenvolvimento, com muito foco na matriz energética que o lastreia. Daí, subseqüentemente, a agenda da eficiência energética, da energia limpa, dos biocombustíveis. Na Rio+10, realizada em Johannesburgo em 2002, o Brasil propôs meta voltada para a ampliação da proporção de energias renováveis no consumo total de energia dos países.


A Declaração do Rio e a Agenda 21, adotadas na conferência, assinalam uma visão de futuro nesta linha, que é representativa de um raro momento da vida internacional. Com efeito, a Rio-92 foi além da especificidade dos interesses nacionais. Reconheceu, política e juridicamente, uma razão abrangente da humanidade num tema que é, pelas suas características, efetivamente global.


A Rio-92 trouxe desdobramentos positivos. Um exemplo na área de clima foi o Protocolo de Kyoto (1997), de cuja negociação o País, no governo FHC, participou criativamente com a proposta, adotada, do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo. A visão de futuro da Rio-92 está periclitante neste século 21. A mais recente preocupação provém da Declaração do G-8 da semana passada, que não estabeleceu as esperadas metas quantitativas de redução de emissões, por parte dos países desenvolvidos.


Numa perspectiva brasileira, cabe relembrar que a Rio-92 foi o maior evento internacional jamais sediado no País. Dela participaram 187 Estados, 16 agências especializadas da ONU, 35 organizações intergovernamentais e igualmente um expressivo número de organizações não-governamentais. Daí a sua dimensão de diplomacia inovadoramente aberta à opinião pública e à sociedade civil.


É de justiça registrar que a Rio-92 foi superiormente conduzida pelo presidente Fernando Collor, que, nas plenárias e nas dezenas de contatos com altas autoridades estrangeiras, revelou a sua sensibilidade em relação às matérias em discussão. Aprofundou deste modo, no plano diplomático, a importância atribuída ao meio ambiente pelo artigo 225 da Constituição.


No início da Rio-92, em 3 de junho, havia várias questões pendentes. Como ministro das Relações Exteriores e, nesta condição, como vice-presidente ex-officio da conferência, busquei, com a colaboração de destacados diplomatas do Itamaraty, catalisar o entendimento necessário à conciliação de posições. Parti do pressuposto de que o Brasil, como país anfitrião, deveria empenhar-se no sucesso da Rio-92 e podia fazê-lo, pois convive tanto com os problemas ambientais derivados da pobreza e da miséria quanto com os derivados das condições da moderna produção.


A abrangente compreensão nacional da agenda Norte-Sul permitiu pôr em prática um dos princípios constitucionais que regem as relações internacionais do Brasil: o da "cooperação entre os povos para o progresso da humanidade" (Constituição federal, art. 4-IX). Ensejou assim, e com sucesso, dar seqüência a uma tradição diplomática que é a de afirmar o construtivo papel do nosso país na elaboração e aplicação das normas que regem o encaminhamento dos grandes problemas internacionais.


As lições da Rio-92 indicam a importância de dar continuidade a esta tradição na área do desenvolvimento sustentável. Se há uma esfera da agenda internacional na qual o Brasil tem peso decisivo para o mundo, é a ambiental. É o que vem apontando Rubens Ricupero ao lembrar a qualidade da matriz energética brasileira, a longa prática em biocombustíveis, a riquíssima biodiversidade, a extensão dos reservatórios de água doce e a escala única de floresta tropical amazônica.


Estes dados nos habilitam a ter um papel ativo e construtivo que gera oportunidades econômicas, como o etanol. Isto requer, no entanto, um foco e um empenho que o governo Lula e o Itamaraty lamentavelmente não vêm tendo, ao dispersar sem hierarquizar os ativos diplomáticos do País. Requer igualmente a legitimidade externa proveniente de coerente ação interna, para sustentar o princípio das responsabilidades comuns, porém diferenciadas da Declaração do Rio. Foi, aliás, o que lastreou, no governo FHC, como posso testemunhar, a posição brasileira na OMC, em Doha, em 2001, na negociação da Declaração TRIPS e Saúde Pública. Lembro, neste sentido, para apontar um caminho, que 75% das emissões brasileiras não provêm da produção e do crescimento, mas de queimadas e desmatamento predatório, que é de interesse nacional conter e proibir.


O Estado de S. Paulo (SP) 17/6/2007