No Supremo Tribunal Federal há quem veja uma sucessão de erros nessa crise institucional em que estamos metidos mais uma vez, a começar pelo pedido de vista feito pelo ministro Dias Toffoli, que suspendeu uma decisão já tomada pela maioria de impedir que um réu faça parte da linha de substituição da presidência.
A liminar do ministro Marco Aurélio Mello, embora esteja apoiada no regimento interno, poderia ter sido imediatamente submetida ao plenário, em caráter de urgência, como fez o ministro Teori Zavascki para afastar o então presidente da Câmara Eduardo Cunha.
A reação do presidente do Senado, recusando-se a acatar a decisão, é uma afronta ao Judiciário, e as críticas ácidas, beirando a grosseria, do ministro Gilmar Mendes à decisão de Marco Aurélio expuseram rachaduras no plenário do Supremo que não ajudam a amenizar a crise institucional.
A decisão do ministro Marco Aurelio Mello de afastar liminarmente o senador Renan Calheiros da presidência do Senado agravou a crise institucional, mas ele está certo. Estamos em uma crise tão aguda que buscamos soluções paliativas para garantir a tal da governabilidade, e frequentemente, autoridades públicas deixam de fazer a coisa certa para ganhar um pouco de espaço político, agindo de boa-fé, mas deixando até mesmo de cumprir a lei.
Justamente o que os cidadãos não aguentam mais são essas manobras políticas, seja no Supremo Tribunal Federal, seja no Congresso. Essa velha politicagem é que nos levou à situação de hoje. A solução que está se tentando para sair do impasse político é capenga juridicamente, mesmo que saída de uma decisão do STF.
A proposta, que parece ser a solução mais provável de mantê-lo na presidência do Senado, mas retirá-lo da linha de substituição da presidência da República, não corresponde à realidade, pois não é o senador Renan Calheiros quem faz parte dessa linhagem, mas o presidente do Senado.
O que o STF fará se mantiver Calheiros no cargo será retirar o Senado da linha de substituição da presidência da República, prejudicando a instituição. Não bastassem as manobras que o senador fez para se manter longe das punições legais, contando com a ajuda do pedido de vista que suspendeu o julgamento da ADPF da Rede (e não ADIN, como escrevi ontem), ele também confrontou o Supremo pessoalmente, e levou a direção do Senado a acompanhá-lo.
Pode fazer isso porque o crime de desobediência, previsto no artigo 330 do Código Penal, é afiançável, nos termos dos artigos 323 e 324 do Código de Processo Penal, e a Constituição só autoriza prisão do parlamentar quando se tratar de crime inafiançável (artigo 53, § 2º).
Com essas manobras, Renan Calheiros vai se mantendo no poder, transformando uma punição que é pessoal, pelo conjunto de sua obra, em um confronto do Judiciário com o Legislativo.
Como relator da matéria, o ministro Marco Aurélio tinha autorização do regimento interno para fazer o que fez, além de obedecer à lógica das decisões que o Supremo já tomou anteriormente. Se o próprio presidente não pode ser réu, muito menos alguém que tenha que substituí-lo eventualmente pode sê-lo.
Isso implica que, se for recebida uma denúncia contra o presidente do Senado, da Câmara ou do STF, esse agente automaticamente deve ser afastado dessa presidência, podendo, porém, permanecer no exercício do cargo de origem (senador, deputado ou ministro do STF). O mérito da medida é impedir que uma pessoa nessas condições exerça a liderança institucional máxima.
Após o STF confirmar o julgamento, Renan Calheiros perderia automaticamente a presidência do Senado. Ele não pode simplesmente "abrir mão" de assumir a presidência da República e passar para o próximo. Essa prerrogativa não é dele, mas do cargo. Por isso ele sai do cargo para que o Senado não perca a prerrogativa.
Caso prevaleça uma decisão de acatar parcialmente a liminar do ministro Marco Aurélio Mello, permitindo que Renan Calheiros permaneça na presidência do Senado, a decisão do Supremo sobre o impedimento de réus exercerem cargos na linha de substituição da presidência da República estará irremediavelmente prejudicada, nunca mais será acatada. Mais uma lei que não pegou no país.