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A Lava Jato e o algoritmo

 

O assunto mais comentado no país é o sorteio que deve definir, provavelmente hoje, o novo relator dos processos da Lava Jato no Supremo Tribunal Federal (STF), em substituição ao falecido ministro Teori Zavascki.

Como tudo indica que a definição se dará entre os membros da 2ª Turma, mais o ministro Luiz Facchin que se transferiria de turma para completar o grupo que julga a Lava Jato, há incontáveis especulações sobre as chances de um ministro que tenha já se posicionado criticamente à Operação Lava Jato, ou pelo menos tenha feito ressalvas à atuação dos procuradores de Curitiba ou ao Juiz Sérgio Moro, venha a ser sorteado para o cargo, vital para definir o ritmo com que os processos serão tocados no Supremo, e o encaminhamento dos mesmos.

Dos quatro ministros remanescentes, três estão nessa posição no mínimo crítica: Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli. O quarto, o ministro Celso de Mello, não pretende assumir o posto por questões de saúde. A discussão está na base da percentagem: as chances de um relator não alinhado às investigações da Lava Jato vir a ser escolhido aleatoriamente pelo sorteio eletrônico são de 60% a 40%.

E, como é comum nesse nosso mundo onde, por causa dos novos meios tecnológicos, a pós-verdade e os “fatos alternativos” povoam o noticiário digital e as mentes dos internautas, as teorias conspiratórias se espalham. Seja qual for o resultado do sorteio, que é previsto pelo regimento interno do Supremo justamente para garantir a impessoalidade da escolha, ele será questionado.

Yuval Noah Harari, o jovem escritor israelense autor de Homo Sapiens, "breve história da humanidade", que já vendeu mais de 2 milhões de cópias, e de "Homo Deus – Uma Breve História do Amanhã",  escreveu recentemente um artigo na revista Veja discorrendo sobre o que pode vir a ser a grande mutação do mundo moderno, que denomina de dataismo, o predomínio dos algoritmos e do big data nas nossas decisões quotidianas, substituindo o humanismo e as religiões.

Cada troca de mensagens por emails, what´sApp, os acessos ao Facebook e ao Google, acabam formando um enorme banco de dados a seu respeito que ficam armazenados em algum lugar no ciberespaço e um dia, um sistema computacional superpotente poderá conhecer os humanos muito melhor do que nós nos conhecemos.

Os sinais já estão à vista. A cada livro que compramos na Amazon, a cada filme que vemos na Apple TV, seguem-se sugestões de outros filmes ou livros que combinam com seu interesse, e assim também com as roupas, as viagens, a ponto de um dia os sistemas computacionais decidirem por você com quem deve casar, que emprego deve aceitar, e assim por diante.

E o algoritmo que vai decidir o futuro da Lava Jato, como sabemos que ele não é manipulado, que a escolha é realmente aleatória? Recentemente, Daniel Chada, Engenheiro-chefe do projeto Supremo em Números da FGV Direito Rio e Ivar A. Hartmann, Professor da FGV Direito e coordenador do projeto Supremo em Números escreveram um artigo no site jurídico Jota a respeito da recusa do STF em divulgar o código-fonte do programa de computador que realiza a distribuição aleatória dos processos aos ministros.

Um cidadão, usando a Lei de Acesso à Informação (LAI), fez o pedido, e em resposta, o Supremo afirmou que a escolha do relator “é feita através de um sistema informatizado desenvolvido pela equipe de Tecnologia da Informação da Corte, o qual utiliza um algoritmo que realiza o sorteio do relator de forma aleatória”. E negou acesso ao algoritmo, tendo em vista a “ausência de previsão normativa para tal.”

Os dois são favoráveis à divulgação do código fonte, para aumentar a transparência dos sorteios, e indicam que “programas tradicionais não permitem respostas ou resultados verdadeiramente aleatórios, porque o sistema estará seguindo sempre as mesmas regras.

E ainda “é possível simular aleatoriedade na distribuição de processos”, pois o programa “não é nada mais que um conjunto de regras se repetindo, o algoritmo irá gerar uma distribuição de processos que não é verdadeiramente aleatória”.  
Existem, segundo os autores, também formas de um computador dar respostas verdadeiramente aleatórias utilizando algoritmos que se baseiam em dados imprevisíveis da realidade, como o ruído atmosférico ou a temperatura ambiente. “Há soluções online neste formato, como o site random.org. Neste caso, não importa qual o algoritmo usado, pois o resultado é aleatório independentemente do código-fonte”.

Eles citam diversos sistemas realmente seguros que publicam voluntariamente seu algoritmo para corroborar sua segurança. E concluem que o Supremo poderia fazer o mesmo como gesto de boa vontade, visando assegurar aos brasileiros que a distribuição dos processos é adequadamente aleatória.

O Globo, 01/02/2017