Hipocondríaco como eu fica fascinado com notícias de descobertas de medicamentos milagrosos. Há sempre um público muito grande para elas. As revistas semanais, quando o tempo de notícias é de vacas magras, saem com capas com "métodos ultramodernos de emagrecer", "perder peso comendo e bebendo", regimes de bifes de soja, carboidratos e criam sonhos de enganar a balança. Outras notícias que não falham no interesse público são as maravilhas das operações plásticas, as silhuetas esculturais milagrosas e o fim das rugas e dos vincos da face, celulite e velhice: botox, colágeno, ácido hialurônico.
Nesta semana, fiquei fascinado com a novidade publicada na Folha Ciência, com cheiro de passado e coisas que a minha geração conheceu e que as novas nem sabem que existiram: "Doença de Jeca Tatu ganha primeira vacina". Diz que os americanos estão testando a imunização contra aquele verme que entra pelos pés, faz a barriga grande, cria uma face de amarelão e, no fim, transforma-se nas odiadas lombrigas, que atingiam os meninos do meu tempo.
O remédio eram pílulas de quinopódio, que tinham um cheiro danado que saía pelo nariz e invadia todo o corpo e eram tomadas com um purgante de "Água Ardente Alemã", "Leite de Magnésia" ou outro de marca "Le Roix", nome que diziam ser do descobridor dessa gororoba. Tomava-se de madrugada, ainda no escuro, para que o efeito fosse alcançado.
No município da Palmeira, no Maranhão, meu pai contava que as pessoas que iam sempre a todas as festas, enterros e batizados eram chamados de "penico da palmeira". Isto é, o farmacêutico, quando vendia o vermífugo, colocava como parte do pacote o penico alto, de tampa, para receber o resultado. Depois voltava à botica para novo freguês.
No ano que nasci, 1930, a página do almanaque de Bristol que continha o mês de abril fazia propaganda das "Pastilhas de Kemp": "Precioso vermífugo, atrativo, agradável e eficaz. São de seguro efeito em todos os casos de lombrigas intestinais".
Hoje esse problema é resolvido com uma simples pílula, e as lombrigas saem depressa. Pensei que ninguém se lembrasse mais do Jeca Tatu, mais popular que o Zé Gotinha. Mas, outro dia, soube que a equipe do Andrucha, que está filmando nos Lençóis Maranhenses, recebeu uma informação de que não podiam pisar no chão por causa dos bichinhos que fizeram Monteiro Lobato dizer que "tens no sangue e nas tripas um jardim zoológico". E as nossas brilhantes Fernandas Montenegro e Torres ficaram com medo do bichinho, que, aliás, não existe lá, porque aquele areia quente mata até gente, que dirá o Ancylostoma duodenale. Só resiste o bicho-de-pé, que dá uma coceirinha gostosa. Acabada a verminose, só falta acabar com o slogan "ou o Brasil acaba com a saúva ou a saúva acaba com o Brasil".
A notícia é boa, mas a morte do Jeca Tatu dá um toque nostálgico nas lembranças da infância. Odylo Costa, filho, dizia que, para mostrar o avanço do país, bastava lembrar que no seu tempo o que mais se via era a placa "não cuspa no chão".
Hoje a coisa é mais séria. Em vez das lombrigas, a Aids, e em vez do cuspe, as hepatites C e D.
Mas nosso orgulho é dizer que fabricamos de avião a agulha, botão, computador e satélite, sem falar em Vanderlei Cordeiro de Lima, que, em vez de ser atacado pelo escocês Johnnie Walker, é derrubado por um padre de minissaia.
Folha de São Paulo (São Paulo - SP) 03/09/2004