O ex-governador do Estado do Rio Garotinho conta que em 1998, quando renegociou com o governo federal a dívida do Estado, com antecipação dos royalties para abatê-la, ocorreu “um milagre”. O ministro da Fazenda Pedro Malan estava irredutível, até que o Governador pediu licença para sair da sala, fez uma oração e, no retorno, conseguiu o acordo.
Sabe-se agora que esse “milagre” está na origem da crise atual. A lei proíbe que royalties cubram gastos correntes, mas, quando negociou a dívida, Garotinho conseguiu uma exceção: não pode pagar salário, não pode cobrir custeio, mas a arrecadação dos royalties passou a ser direcionada ao fundo previdenciário.
O governo federal topou para resolver um sério problema fiscal do Estado, mas também porque abriu outra exceção, a seu favor: royalties continuaram não podendo pagar nenhuma dívida, salvo aquela renegociada com o Tesouro. O Governo do Rio e a Secretaria do Tesouro Nacional são sócios nessa crise fiscal, que fere a teoria e também a experiência internacional, segundo o economista José Roberto Afonso, contratado pelo Banco Mundial para assessorar o governo do Rio nessa crise.
O Rio usou essa receita volátil para pagar inativos, quando a conta era mínima e ninguém achava que a bomba ia explodir como hoje. E o Tesouro aproveita para ficar com um percentual de royalties, o que nenhum outro órgão mais pode. O Rio não pode tomar empréstimo no BNDES, por exemplo, e dar royalties como garantia, é vedado por lei.
José Roberto Afonso estranha que até agora não tenha vindo a público nenhuma autoridade federal defender o pacote do Rio, que foi apresentado em Brasília uma semana antes de anunciado. Ontem, quando aparentemente defendeu o pacote de redução de gastos do Rio, o ministro da Fazenda acabou fazendo mesmo foi a defesa da reforma da Previdência que o governo federal apresentará.
A crise no Rio, causada pelo aumento das despesas com aposentadorias e pensões, é "didática", segundo Meirelles, e mostra o que pode acontecer se a reforma da Previdência não for aprovada. Ao contrário, o governo federal criou um constrangimento para o Governo do Rio ao divulgar estudo em que aparece que o gasto do Rio aumentou 20% em um ano, ou 70% em sete anos, o que José Roberto Afonso diz que “é falso”.
O Rio tem sim culpa no cartório pela crise, diz ele, “mas se isso tivesse ocorrido nessa proporção, já tinha quebrado há 3 ou 4 anos”. Segundo ele, o que ocorreu é que anteriormente a maior parte dos aposentados era paga com os royalties, venda futura de royalties, saque de depósitos judiciais.
Com isso o Estado pouco precisava colocar recurso corrente para pagar essa conta. No agregado, teve aumento, mas não no valor anunciado pelo Governo Federal a maior parte saiu de uma conta para outra. O problema foi acreditar que o petróleo era nosso, e eterno. Daqui para frente, haverá corte radical, mas como não se pode reduzir salário de servidor, será aumentada a contribuição previdenciária.
A crise econômica que levou o Estado do Rio a decretar o estado de calamidade tem, sem dúvida, a responsabilidade fundamental da crise do petróleo mundial, que afetou a base da economia do Rio como maior produtor do país. Mas contou com um ingrediente de irresponsabilidade administrativa que está sempre presente nas crises de países (ou Estados) que têm abundância de recursos naturais, conhecida como “a maldição do petróleo”. O governo do Rio, além do crescimento dos gastos correntes, o Estado se endividou acima de sua capacidade.
Com o barril de petróleo a 100 dólares, o governo do Rio endividou-se pegando R$ 1 bilhão no Banco do Brasil, R$ 2.3 bilhões na Caixa Econômica Federal e até mesmo R$ 2.3 bilhões em debêntures nos Estados Unidos, e acabou ficando com uma dívida até 2022, difícil de pagar com a queda do preço do barril.
O grave erro foi usar receita de petróleo, que oscila muito e um dia vai acabar, para financiar gasto permanente e com o passado, sem construir algo novo. O ideal, diz José Roberto Afonso, seria que royalties financiassem investimentos, para o Estado crescer e ganhar com outras receitas, permanentes.