As posições ideológicas estão tão extremadas em nossos dias que o que era considerado “o debate do século”, entre ofilósofo e cientista social esloveno Slavoj Zizek, ícone da esquerda mundial, e o psicólogo canadense Jordan Peterson, representante da direita radical cujos programas na internet atraem milhares de seguidores pelo mundo digital, foi considerado frustrante.
O evento, denominado Felicidade: marxismo vs capitalismo foi realizado sexta-feira em Toronto, no Canadá, no Sony Centre, o maior teatro do país, o que fez o mediador festejar que um debate intelectual juntasse tanta gente.
Os ingressos foram vendidos até no cambio negro, a preços mais caros do que os de um jogo de hóquei que acontecia na mesma noite. Mesmo traçando rotas distintas, os dois terminaram o debate fazendo apelos à compreensão entre os adversários de idéias.
Chegaram até a concordar, embora por caminhos diferentes. Zizek acha que os movimentos que defendem as minorias são superficiais, políticas moralistas que não mudam estruturalmente as sociedades. Ele está mais interessado na grande política.
Já Peterson também critica esses movimentos, mas por considerá-los a repetição da luta de classes marxista. Os dois defenderam seus pontos de vista sem radicalizações ou acusações pessoais, Zizek apontando os defeitos e limitações do capitalismo, Peterson afirmando que, mesmo com defeitos, é o melhor sistema para criar riqueza, mesmo para os mais pobres.
Peterson demorou alguns segundos para responder o que esperava que o debate entre ele e Zizek poderia trazer de proveitoso, e sua indecisão provocou gargalhadas na platéia. Mas, quando falou, disse, com solenidade, provocando aplausos maiores que as gargalhadas, que gostaria que entendessem que é possível pessoas com posições opostas se comunicarem.
Segundo ele, há uma idéia crescente de que não existe liberdade de expressão porque as pessoas são apenas avatares de seu grupo identitário. E que não há pontos de contato entre pessoas que pensam diferente. Isso é terrivelmente perigoso e pernicioso, alertou.
Zisek, que evitou defender o Manifesto Comunista, e é critico do que chama de esquerda liberal, disse que esperava que as pessoas não tivessem medo de pensar. Se você é de esquerda, não se sinta obrigado a seguir o politicamente correto, aconselhou.
Se alguém pensa diferente de você, imediatamente é rotulada de fascista. As coisas não são tão simples assim, advertiu Zizek, para dar um exemplo polêmico, mas que mostra a amplitude de seu pensamento: Trump é uma catástrofe a longo prazo, mas não é um fascista.
Nada parecido com outro “debate do século”, acontecido em 1968 nos Estados Unidos, num momento conturbado depois dos assassinatosde Martin Luther King, líder dos direitos civis dos negros, e do candidato democrata à presidência Bob Kennedy, e manifestações contra a Guerra do Vietnã em todo o país. A eleição daquele ano acabou vencida por Richard Nixon, que derrotou o democrata Hubert Humphrey
A rede de televisão ABC resolveu inovar a cobertura das eleições e convidou dois grandes intelectuais para debaterem por uma semana, durante quinze minutos, um pela direita republicana, William F. Buckley, considerado o intelectual público mais importante do movimento conservador americano e editor da revista National Review
Crítico do "establishment" universitário, enfrentou pelos democratas o escritor Gore Vidal, amigo dos Kennedys, ativista político e homossexual. O debate rendeu um documentário chamado The Best of Enemies (O melhor dos inimigos), filme de Morgan Neville e Robert Gordon, que demonstra que esses debates são o ponto inicial de uma disputa cultural entre liberais e conservadores nos Estados Unidos.
Para se ter uma idéia da agressividade dos dois, que tinham a língua afiada, a certa altura Gore Vidal manda Buckley calar a boca, e o chama de "criptonazista". A resposta foi violenta. Irado, Buckley chama Vidal de "bicha" e ameaça "socar essa sua maldita cara”. O debate de Zizek com Peterson pode ser visto no You Tube. O documentário Best of Enemies está na Apple TV e no Netflix.