A operação militar da França no Mali contra os terroristas, alguns ligados à Al Qaeda, que dominavam parte do seu território chega a mais uma vitória com a retomada do controle da cidade histórica de Timbuktu, mas a ação de curto prazo não representa uma solução para aquele país do norte da África, cujo maior desafio é a superação de problemas econômicos crônicos. Uma situação que demanda ação humanitária urgente por parte da comunidade internacional. Se a França não tivesse intervindo, a situação teria chegado próximo a uma catástrofe.
Essa foi a opinião predominante num painel em Davos, durante o Fórum Econômico Mundial. A situação de insegurança é a mesma no norte da África e em outras regiões do mundo árabe, onde exclusão política, pobreza, divisões sectárias e opressão às minorias provocaram a explosão de conflitos e revoltas populares como na Líbia, onde uma revolução popular levou à queda do ditador Muamar Kadafi.
Ao mesmo tempo, em Paris, reuniu-se a Academia da Latinidade, cujo secretário-geral é o brasileiro Candido Mendes, para mais um encontro de intelectuais, na maior parte de países de língua latina, com líderes e intelectuais do mundo oriental, especialmente dos países árabes. O professor belga Diederik Vandewalle, do Dartmounth College, fez uma análise sobre a chamada Primavera Árabe, fixando-se especialmente no caso da Líbia, pois tanto a crise dos terroristas no Mali quanto a dos reféns na Argélia têm ligações com os grupos terroristas que atuaram na guerra para derrubar Kadafi e se espalharam pela região fortemente armados.
Vandewalle, embora diga logo no início de seu texto que ainda é cedo para ter-se uma certeza sobre os resultados de tal movimento na Líbia, afirma que também não há evidência de que já está em andamento uma revolução que leve à democracia. Ele chama a atenção para o caráter impreciso da Primavera Árabe, afirmando que a queda do ditador na Líbia não encerra o sistema clientelista montado no país. A consolidação do novo regime dependerá da rapidez de criação de novos mecanismos de inclusão social, num país desprovido de uma consciência política coletiva.
Segundo Diederik Vandewalle, a resistência das antigas estruturas sociais na região continua sendo uma realidade com que os novos reformadores terão que lidar. Desde a eclosão dos movimentos de libertação dois anos atrás, diz Vandewalle, muito da velha ordem não foi ainda destruído, e muito do novo ainda é difuso e transitório.
Mas, apesar de haver tido as estruturas de suas instituições nacionais completamente destruídas pela ditadura de Kadafi, a Líbia não deve desistir de remontá-las, pois, segundo o professor Vandewalle, pode ser mais fácil partir da estaca zero do que tentar reorganizar as existentes, como na Tunísia e no Egito.
A ideia de que países como a Líbia ou outros do Oriente Médio e do Norte da África podem simplesmente mudar contratos sociais existentes em curto prazo subestima as complexidades desse processo, que varia de país para país, diz o professor belga. Os recentes acontecimentos expuseram a fragilidade dos governos na região da África Ocidental, um centro de contrabando de drogas para a Europa controlado por terroristas, que se financiam com o comércio ilegal.
No painel de Davos, foi lembrado que em poucas semanas a estação das chuvas começará, e, se os fazendeiros ficarem impedidos de plantar, estará abalada a capacidade do país de alimentar seu povo, tornando o desastre humanitário ainda maior. Sendo vitoriosa, como até agora, a intervenção francesa, será preciso encontrar uma solução política que leve o país à estabilidade.
Segundo o entendimento generalizado dos participantes do painel de Davos, está na hora de as lideranças africanas reconhecerem que o continente precisa de democracia e bons governantes, para melhorar a vida das populações majoritariamente marginalizadas.
O Globo, 29/1/2013