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A hora do Supremo

 

A decisão liminar da ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal (STF), de suspender as chamadas emendas do relator liberadas pela presidência da Câmara nos momentos que antecederam a votação da proposta de emenda constitucional (PEC) que parcela o pagamento dos precatórios indica que o processo vicioso que levou à sua aprovação pode ser interrompido em uma segunda etapa da batalha jurídica, desta vez para suspender a votação do segundo turno marcada para terça-feira.

Só é possível aprovar uma PEC em segundo turno se ela tiver sido aprovada validamente no primeiro, o que não aconteceu na visão de vários deputados, que entraram com ações no Supremo para barrar a segunda votação. Este é o momento do controle prévio do Supremo sobre a constitucionalidade dos procedimentos, não sobre o mérito do caso, e é essa a base do mandado de segurança do ex-presidente da Câmara Rodrigo Maia, impetrado ontem pelo escritório do constitucionalista Gustavo Binemboin.

A partir do momento em que a maneira imperial com que o deputado Artur Lira conduz os trabalhos na Câmara afronta a Constituição, é a hora de o Supremo intervir.  Dois problemas estão sendo questionados no mandado de segurança do ex-presidente da Câmara: para ganhar os votos de deputados da oposição, o presidente da Câmara, deputado Artur Lira fez uma barganha, tirando do bolso do colete uma emenda aglutinativa na PEC, contemplando o pagamento dos precatórios relativos ao Fundef, em três anos. Só que essa norma nunca existiu na PEC.

O procedimento da PEC, para ser inaugurado, precisa do chamado “apoiamento” de 1/3 dos deputados, o que não significa que necessariamente votarão a favor da emenda, mas que consideram que ela deve ser debatida no plenário. Como essa matéria surgiu do nada, não houve esse “apoiamento”, o devido processo legislativo constitucional foi desrespeitado, uma violação à Constituição. Essa emenda aglutinativa foi colocada em cima da hora e mudou o sentido da PEC original, destaca Binemboin.

Outra questão é que o presidente da Câmara já havia acabado o sistema de votação remota, instituído durante a pandemia, mas deixou que deputados licenciados para participação na COP26, votassem à distância. Para o segundo turno, está permitindo que os deputados em licença médica também votem. Como o governo obteve uma vitória apertada, por apenas quatro votos, todas essas manobras interferiram no resultado final.

A falta de transparência na distribuição das emendas, detectada pela ministra Rosa Weber, impossibilita que o Congresso exerça o mandamento constitucional que exige “o acompanhamento fidedigno da execução da programação orçamentária e financeira dos órgãos setoriais do Poder Executivo”.

O “orçamento impositivo” estabeleceu na Constituição o “princípio da execução equitativa”, que definiu que a execução do orçamento deve atender “de forma igualitária e impessoal às emendas apresentadas, independentemente da autoria”. Na análise de técnicos do Tribunal de Contas da União (TCU), a execução orçamentária não pode ser convertida em uma ferramenta de gestão de coalizão, e quem decidiu assim foi o próprio Congresso.

A utilização das emendas de relator como uma forma travestida de ressuscitar o caráter discricionário e politicamente orientado das emendas individuais viola de maneira frontal essa regra constitucional aprovada de maneira quase unânime na Câmara, ressaltam os técnicos. Além do mais, num quadro de rigidez orçamentária, a utilização política das emendas do relator tende a desorganizar os programas estruturais de políticas públicas, atendendo a pleitos individuais sem levar em conta projetos nacionais estruturados.

Como os competidores pelas verbas das emendas do relator são, normalmente, os próprios companheiros de partido, outro efeito colateral desse abuso, dizem os técnicos do TCU, é enfraquecer ainda mais as lideranças e fragmentar ainda mais os partidos, sendo exemplar o caso recente do PDT e de outros partidos nessa última votação da PEC dos Precatórios.

O Globo, 07/11/2021