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Heróis

 

A Grécia clássica, a que deu certo e ficou como berço da civilização ocidental, foi feita por povos? Ou foi feita por grandes homens? Os veios subterrâneos da sociedade se expressam por meio dos heróis, tanto nas artes como na política. Ninguém mais alheio à República do que o Marechal Deodoro (1827-1892).

Mas o instinto nacional precisou de um alienado metido a herói que invadisse o quartel-general, sustentáculo do Império, ordenando: "Abram isso! Abram isso!", e depusesse o amigo e imperador.

O verdadeiro herói, o herói de Carlyle (1795-1881), é um Frankenstein, feito de pedaços.

É preciso juntar vários cadáveres do pensamento e do ideal humano para formar um Frankenstein articulado. Mas é ele que na hora exata amedronta a força contrária, aparece no quartel-general e grita: "Abram isso!". Frankenstein colado com pedaços de Benjamim Constant (1837-1891), de Quintino Bocaiúva (1836-1912), Joaquim Nabuco (1849-1910) e outros republicanos.

Estou citando Ezra Pound (1885-1972), quando fala em "punti luminosi", pontos luminosos. Na massa amorfa, inerte, de repente alguma coisa brilha, cintila.

É comum na obra de arte, numa sinfonia, num romance, num quadro, cheio de pontos mortos, de clichês, surgir inesperadamente aquele brilho que salta, que se destaca, que interfere na obra inteira e a marca.

O herói é um ponto luminoso que se destaca, é o jogador que fica parado em campo e, em meio minuto, arma ou finaliza uma jogada de gênio e decide a partida.

No plano da história, o herói é também inesperado.

Veja o caso da Inconfidência Mineira. Os Inconfidentes eram intelectuais, padres, poetas, mas o herói foi mesmo Tiradentes (1746-1792), que aguentou a barra até o fim.

E terminou na forca.

Folha de S. Paulo (RJ), 09/09/2014