Além do recurso interposto pela Mesa do Senado Federal contra a liminar concedida pela ministra Cármen Lúcia na Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) da Lei dos Royalties, três estados da Federação peticionaram requerendo a participação no feito como amicus curiae (amigos da Corte em latim), isto é, partes interessadas na causa. Dois deles, Paraíba e Alagoas, não trazem argumentos novos, mas a manifestação do Rio Grande do Sul, no entanto, introduz uma questão interessante, ainda que superficialmente, que pode ser um dado novo na discussão no Supremo.
Os gaúchos alegam que, em razão do recente julgamento pelo Supremo Tribunal Federal declarando inconstitucionais diversos dispositivos da PEC 62/2009 (a famigerada PEC do Calote), a situação do seu caixa estaria seriamente prejudicada. Por isso, não seria possível abrir mão dos recursos advindos das novas regras de repartição dos royalties do petróleo.
O STF considerou inconstitucionais dispositivos da PEC do Calote que permitiam parcelamento dos débitos em até 15 anos, realização de leilões de precatórios, correção dos títulos por índices que não recompõem a inflação do período e compensações em caso de dívida do credor com o poder público. Ou seja, indiretamente o estado do Rio Grande do Sul culpa o próprio Supremo por sua situação deficitária, na tentativa de sensibilizar os ministros quanto à questão dos royalties.
O estoque bilionário de precatórios do Rio Grande do Sul hoje perfaz a dívida de R$ 6,3 bilhões de reais. Na sua petição, o Rio Grande do Sul alega que o equilíbrio federativo ficará afetado se o Supremo, ao decidir sobre a nova divisão “mais justa” dos royalties, não levar em conta a situação financeira dos estados envolvidos.
“A relevância da matéria debatida é insofismável. Como constou da decisão que deferiu a medida cautelar na ADI 4917, proferida pela eminente ministra Cármen Lúcia, a questão tem a seriedade própria dos grandes temas federativos. Não há dúvidas de que a atuação do Supremo Tribunal Federal nessas ações se dará não apenas na qualidade de guardião e intérprete maior da Constituição, mas também na magna função de árbitro da Federação brasileira. Daí que os seus pronunciamentos provocarão efeitos diretos e penetrantes nos arranjos institucionais de absolutamente todos os entes federados (para o bem ou para o mal)”.
Tais efeitos, prossegue a petição, se verificarão de forma particularmente aguda no Rio Grande do Sul, “tendo em vista suas notórias e, infelizmente, já históricas dificuldades de caixa, que se exacerbarão em pouco tempo, como resultado do julgamento proferido nas ADIs 4357 e 4425, nas quais se declarou a inconstitucionalidade de boa parte da Emenda Constitucional 62/2009. (...) O Rio Grande do Sul não pode, destarte, prescindir dos recursos financeiros advindos da nova e mais justa repartição dos royalties do petróleo positivada pela Lei 12.734/2012.”
Especialistas acreditam que outros estados farão o mesmo pedido de ingresso no processo como amicus curiae, o que demonstra que a “guerra federativa” foi definitivamente deflagrada com a discussão dos royalties somada à forma de arrecadação do ICMS e à PEC do Calote. Há uma tendência no Supremo a considerar que o próprio Congresso deveria tratar desses assuntos, dentro de uma repactuação do Fundo de Participações de Estados e Municípios, mas sem ferir cláusulas pétreas da Constituição, como acontece com a mudança da Lei dos Royalties ou uma possível emenda constitucional para tentar alterar a distribuição dos royalties, caso, como se acredita, o Supremo dê ganho de causa aos estados produtores.
A incapacidade de o Congresso resolver seus próprios problemas é uma preocupação entre os ministros do Supremo, que recusam a tese de que há uma “judicialização” da política ou um ativismo do Supremo.
O Globo, 30/3/2013