O mar revolto em que os políticos navegam não está para peixe. Mares revoltos e cidadãos revoltados, como lembrou a ministra Carmem Lucia ao tomar posse na presidência do Supremo Tribunal Federal.
Depois da cassação do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha, e pela avalanche de votos contrários que o deixaram com o apoio, envergonhado ou acintoso, de pouco mais de 10% do plenário que já comandou com mão de ferro, uma guerra de metáforas travou-se entre ele e o presidente do Senado, Renan Calheiros.
Parece que aprenderam a falar por códigos depois que conversas gravadas encrencaram políticos e empresários. Perguntado sobre o episódio que marcou gravemente cada um dos deputados federais, que em número recorde se sentiram pressionados pela opinião pública a cassar seu antigo protetor, Calheiros saiu-se com essa: “(...) O que vimos ontem é aquilo: quem planta vento, colhe tempestade. Essa é uma lei da natureza.
Depois da cassação, Eduardo Cunha deu uma entrevista alegando, entre outras coisas, que os processos contra ele no Supremo Tribunal Federal (STF) correram mais rápido do que os de Renan Calheiros, que tem nada menos que oito processos, alguns já há tanto tempo que podem prescrever.
Ao ser perguntado sobre essas críticas de Cunha, Renan retrucou — Afasta esse cálice de mim. O conjunto da obra fez Cunha retribuir com a mesma moeda, sem trocadilhos. O deputado cassado desejou que “os ventos que nele chegam através de mais de uma dezena de delatores e inquéritos, inclusive do Sérgio Machado, não se transformem em tempestade”.
Cunha se referia, com especial maledicência, ao ex-senador Sérgio Machado, indicado por Renan Calheiros para presidir a Transpetro, uma subsidiária da Petrobras onde atuou por cerca de 10 anos. Apanhado em uma série de falcatruas, fez um acordo de delação premiada com o Ministério Público que pode render dores de cabeça a Calheiros.
Esta é apenas uma amostragem do que ocorre nos bastidores políticos, depois que a cassação cortou pela raiz a carreira política de um dos mais poderosos líderes da Câmara, apanhado em pleno voo quando imaginava que tinha pela frente um céu de brigadeiro.
Já Renan Calheiros adotou uma tática diferente da de Cunha, que enfrentou o Procurador-Geral da República e o próprio STF na busca de se impor como um intocável da República. Calheiros, ao contrário, recolheu-se, fez acordos com o Judiciário, o último deles organizando uma ação favorável ao aumento dos ministros do Supremo que teve, em contrapartida, o escandaloso fatiamento da Constituição para garantir que a presidente cassada Dilma Rousseff não perdesse seus direitos políticos.
Ao mesmo tempo fez um aceno ao STF e ao PT, na tentativa de criar um ambiente favorável a si quando necessitar. Entregou apenas metade do que prometeu, pois tudo indica que a nova presidente do Supremo não vai assumir compromissos para aprovar o aumento dos ministros.
Pelo tom dos discursos da posse na segunda-feira, não há ambiente para essas jogadas de bastidores, e o plenário da Câmara captou bem a mensagem, entregando a cabeça de Eduardo Cunha em grande estilo. As eleições municipais provavelmente reforçarão essa mensagem de repúdio à corrupção e à politicagem que a sociedade emite há muito tempo, e então, a partir do fim desse ano, talvez tenhamos condições de avançar nas pautas indispensáveis à retomada do desenvolvimento do país.
Mais do que nunca, porém, esses movimentos dependerão dos humores que vierem de Curitiba, e dos fantasmas que sairão das delações premiadas.
Coisa feia
O comentário do diretor do filme Aquarius sobre a escolha do representante brasileiro ao Oscar foi uma das coisas mais patéticas já registradas nas disputas de egos da cultura nacional.
Já que seu filme não foi o escolhido, a decisão só pode ter sido tomada por razões políticas, pois ele e o elenco protestaram em Cannes contra o governo Temer.
O mesmo raciocínio da presidente cassada Dilma Rousseff: o golpe parlamentar se caracterizaria se o resultado do julgamento do Senado fosse sua cassação. Se lhe fosse favorável, todo o processo estaria legitimado.