Portuguese English French German Italian Russian Spanish
Início > Artigos > A geringonça partidária

A geringonça partidária

 

As alianças concretizadas ou tentadas para a campanha presidencial mostram o quanto inconsistente é o nosso sistema político-partidário. Não é possível que o empresário Josué Alencar sirva para ser vice tanto do PT quanto do PSDB, e nem que o centrão possa negociar um governo com Ciro Gomes do PDT.

O tom de coerência dessas recentes negociações foi dado pela adesão do DEM ao PSDB, levando consigo boa parte do centrão, marcado pelo fisiologismo. O DEM, mesmo que diversos de seus líderes estejam envolvidos em denúncia na Operação Lava Jato, tem um posicionamento ideológico que historicamente o liga ao PSDDB desde que, para garantir a governabilidade, Fernando Henrique Cardoso convidou o então PFL para fazer parte de sua chapa.

Para analisar a coerência das coalizões, o primeiro passo, diz o cientista político Octávio Amorim Neto da FGV do Rio, é definir os principais objetivos dos políticos em regimes democráticos. Segundo ele seriam: eleitorais, programáticos (ou ideológicos), pragmáticos (em geral, a ocupação de cargos, mas também a obtenção de recursos financeiros para campanhas) e fisiológicos (renda pessoal).

A questão, do ponto de vista da ciência política, explica Octávio Amorim Neto, é saber qual é o peso relativo de cada um daqueles quatro objetivos para cada partido ou cada sistema de governo. Nenhum partido pode maximizar todos os objetivos igualmente: se um preza a pureza ideológica em sua ação política, considerações eleitorais ou pragmáticas perderão peso relativo.

É o caso da Rede de Marina Silva, que não consegue se coligar com outros partidos, e quando se coliga, como no Rio com o Podemos que lançou Romário para governador, recebe críticas da própria Marina.

Alguns autores sustentam que o sistema presidencialista favorece a formação de partidos mais preocupados com objetivos eleitorais do que com os programáticos. O parlamentarismo estaria mais associado a partidos que conferem um maior peso aos objetivos programáticos, ressalta Octavio Amorim Neto.

O cientista político da FGV-Rio aponta o exemplo da Alemanha, que se caracteriza por um sistema partidário moderadamente fragmentado, composto por agremiações com claras orientações programáticas. A política alemã se distingue por sua forte cultura de consenso, o que facilita a formação das chamadas grandes coalizões, as quais incluem os dois maiores agrupamentos partidários do país, os democrata-cristãos (CDU) e os social-democratas (SPD).

A chanceler alemã Angela Merkel cedeu o Ministério das Finanças ao SPD em um acordo de coalizão alcançado mais de quatro meses depois de uma eleição nacional na qual os dois blocos perderam apoio. Em Portugal funciona uma “geringonça”, como é chamada a aliança que governa o país, com os partidos de esquerda unidos, fato inédito em quarenta anos de vida democrática.

 O Partido Socialista, moderado, governa sozinho, mas é apoiado no Parlamento pelo PCP, Bloco da Esquerda e Os Verdes, com as quais assinou acordos bilaterais. O Partido Socialista teve que abrir mão de três pontos de seu programa: congelamento de pensões, regime de demissão facilitado e corte na contribuição social das empresas à Previdência.

De tão disparatada a coalizão foi apelidada deGeringonça, que virou uma denominação elogiosa. No nosso sistema político-partidário, o peso relativo dos quatro objetivos é muito distinto. As agremiações que constituem o Centrão são um grande exemplo da perda radical de substância ideológica dos partidos brasileiros, comenta Octavio Amorim Neto.

O mesmo, diz ele, se deu com o PT, “que nascera como um partido purista de esquerda para, a partir de 2003, tornar-se uma máquina infernal de eleitoralismo, pragmatismo e fisiologismo. O PSDB também não fugiu a essa sina, ainda que em menor escala do que o Centrão”.

  Para Octavio Amorim Neto, os políticos brasileiros, para sobreviver, darão mais atenção a considerações programáticas e a se concentrar menos na obtenção de benefícios fisiológicos. “Se isso não acontecer, a crise sem fim que temos vivido desde 2013 de nada terá valido”.

O Globo, 29/07/2018