A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de dezembro de 2006, considerando as cláusulas de barreira inconstitucionais, por supostamente impedir a pluralidade partidária e, por isso, serem maléficas à democracia, foi o que impediu a reorganização partidária no país. Hoje temos nada menos que 35 partidos em atividade, sendo que 25 com representação no Congresso.
As cláusulas haviam sido aprovadas dez anos antes, justamente para que os partidos pudessem se preparar, mas quando o sistema, existente em vários países, entrou em vigor, foi barrado a pedido dos partidos que não haviam cumprido as exigências mínimas.
O teor do voto do relator, ministro Marco Aurélio de Mello, foi acompanhado por unanimidade pelos ministros, e o julgamento passou a ser não sobre a necessidade de reorganização partidária, mas sobre a defesa da possibilidade de expressão das correntes e pensamentos políticos minoritários, que ficariam ameaçados.
Os políticos que defendiam a adoção dessas exigências para controlar a fragmentação partidária temiam que elas fossem conhecidas como "cláusulas de barreira" ou de "exclusão", pois pressentiam que a denominação poderia ser usada, como de fato foi, para classificar as regras de preconceituosas.
Com a prevalência da tese da democratização partidária, apesar de sua fragmentação, os partidos políticos nanicos que vendem seu tempo de televisão ou atuam nas campanhas eleitorais como "parceiros" de candidaturas mais fortes continuaram a atuar no cenário político.
Ao mesmo tempo, não temos sinais de que conseguiremos fazer a tal reforma política substantiva, que sane em parte, os males do nosso sistema partidário. Seria preciso pelo menos acabar com as coligações proporcionais, além de restabelecer as cláusulas de desempenho, retirando delas o aspecto de exclusão.
Os partidos que não conseguirem atingir a votação mínima exigida poderiam existir, mas não teriam atuação no Congresso, nem direito a fundo partidário ou tempo de propaganda gratuito no rádio e televisão.
Não conseguimos nem mesmo regulamentar leis que organizem o financiamento das campanhas eleitorais, talvez o ponto nevrálgico de toda nossa desorganização política. E a solução foi simplesmente proibir o financiamento privado, fazendo com que o financiamento público prevaleça.
Mas sem dúvida é preciso baratear as campanhas eleitorais, e o voto distrital, melhor ainda o misto,que aproxima o eleitor do candidato eleito, pode ser uma solução, mesmo com todos os seus defeitos e distorções.
Campanhas caras demais
Por enquanto, a pretexto de defender a democracia e a pluralidade, não conseguimos ter nenhuma legislação que organize nosso sistema político-partidário. Caiu a verticalização, caíram as cláusulas de desempenho, mas evoluímos com a aprovação da Lei da Ficha-Limpa, que impede os condenados por colegiado a concorrerem a eleições.
O cientista político Sérgio Abranches, em recente estudo sobre o nosso sistema político que ele batizou de “presidencialismo de coalizão”, adverte que não basta apenas “rever o mecanismo de voto em si, é preciso repensar as campanhas eleitorais, para deixar de serem uma batalha caríssima entre marqueteiros que escondem, em lugar de expor, os candidatos”.
Essa característica das nossas campanhas eleitorais, que se tornam cada vez mais caras, é uma das razões da deterioração de nosso sistema político: “Campanha deve expor os candidatos ao escrutínio persistente do eleitorado, informá-lo adequadamente sobre as intenções, valores e capacidades dos candidatos, para fazerem uma escolha informada”.
Se o debate fosse em torno de programas partidários, e as coalizões se fechassem a partir deles, seria mais difícil praticar o estelionato eleitoral que se tornou habitual em nossa política. Para Sérgio Abranches, “os mandatos devem estar sujeitos à renovação por algum tipo de recall e algum mecanismo de convocação de eleições antecipadas”.
Lógica das coligações
Poderíamos ter quantos partidos políticos quisessem fundar, mas apenas uma parte deles — no máximo dez — estaria em condições de exercer atividades congressuais, e de usar o Fundo Partidário, pela votação recebida.
As coligações teriam uma lógica interna menos sujeita a questões circunstanciais, e os programas partidários ganhariam maior importância para representantes e representados. A reforma política, que todo governo anuncia e nenhum faz, é uma boa ocasião para vermos que interesses prevalecerão na política brasileira.
Desde os tempos de Fernando Henrique que a formação de um grande partido social-democrata para sustentar a base do governo no Congresso é o sonho de consumo dos governantes. Em todos os momentos de transição política, surge a especulação de que seria possível criar um novo partido com a "parte boa" do PMDB, do PDT, do PSB e do PSDB, deixando-se de fora fisiológicos e aproveitadores de todas as horas.
Esse sonho seria uma saída perfeita para organizar a geléia geral em que se transformou o quadro partidário brasileiro. Mas tem se mostrado inviável diante da realidade política. Antes do advento da onda petista, pesquisas mostravam que existiam partidos organizados segundo uma coerência programática, ao contrário do que se supunha.
PSDB, PFL, PDT, PPS, PCdoB, PSB e o próprio PT estavam nessa categoria. O PTB e o PP (antigo PPB) seriam meros satélites do PFL. O PMDB, embora com maior estrutura, já nessa época não se sabia o que representava.
Sistema desmoralizado
A máquina de triturar partidos em que se transformou o Executivo, diante da necessidade de obter três quintos dos votos do Congresso para aprovar as reformas constitucionais, começou a alterar toda essa lógica ainda durante o governo Fernando Henrique, com a cooptação do PMDB.
Ao aderir ao governo, logo depois de derrotado nas urnas, o PMDB acentuou seus traços fisiológicos e suas divisões internas. O que restava de ideológico no partido ficou isolado e assim permanece até hoje. Mais uma vez a cena se repetiu na eleição de Lula. O PMDB, que apoiara Serra, não resistiu aos apelos do poder.
A máquina de cooptação que o PT montou foi muito mais devastadora do que a de Fernando Henrique, que o PT tanto criticava. Com base na corrupção do aparelho do Estado, que desaguaram nos escândalos do mensalão e do petrolão, a era petista que se encerra desmoralizou de vez nosso sistema partidário. E a estrutura partidária hoje está em frangalhos.
O PT exacerbou a geléia geral partidária e, agora, é vítima das suas incongruências. Veremos agora como o PMDB de Temer, alçado à condição de protagonista pela terceira vez de maneira indireta – antes estivera no poder com Sarney e Itamar – vai se comportar diante desse desafio da História. A formação do ministério, que conheceremos hoje, será uma boa indicação.