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Gandhi e Confúcio

 

A Prefeitura do Rio de Janeiro está desenvolvendo um trabalho de complementação do Bolsa Família, sob a coordenação do economista Marcelo Neri, do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getulio Vargas, que mostra como um programa assistencial pode ter, ao mesmo tempo, função educacional relevante, preparando uma futura geração para dias melhores de inclusão social.

O programa concilia a meritocracia social, dando prêmio para aqueles estudantes pobres que aumentaram as notas, com agilidade administrativa, com provas bimestrais aos alunos.

A nota de matemática daqueles programas se equiparou aos demais (era 5% menor), a de Ciências era 4% menor e agora é 5% maior, mas os diferenciais de Português continuaram 4,7% menores, confirmando experiências internacionais, que mostram que a melhoria no estudo da língua é sempre mais difícil, segundo Neri.

A maior inovação educacional do Família Carioca é premiar os alunos pelo desempenho escolar. Os alunos têm que atingir a nota mínima 8 nesses exames, ou aqueles com rendimento insuficiente, com notas até o mínimo de 4, terão que apresentar uma melhora mínima de 20% a cada bimestre, de forma a se habilitar a um prêmio extra bimestral de R$ 50 reais por estudante.

Nesse caso não há limite de prêmios por família, dada a natureza individualizada do prêmio por desempenho escolar. Esses requisitos são diferenciados nas Escolas do Amanhã situadas em áreas conflagradas da cidade.

Outra diferença fundamental, além da exigência de níveis de frequência escolar mínimos de 90%, contra 85% do Bolsa Família, é a exigência da presença de um dos pais, ou do responsável, em reuniões bimestrais nas escolas, numa tentativa, segundo Neri, de aprimorar o respaldo familiar, responsável por mais de 70% dos diferenciais de educação, segundo a literatura empírica.

Como resultado, as reuniões bimestrais aos sábados têm 70% de presença dos pais dos garotos com cartão contra 30% da presença dos demais.

Outra diferença nessa direção é que cada um desses benefícios não são fixos, mas proporcionais à insuficiência de renda estimada das famílias em relação à linha internacional.

A linha de pobreza do Família Carioca é de R$ 108 por mês por pessoa, o que corresponde aos dois dólares por dia da linha de pobreza mais generosa da primeira meta do milênio da ONU.

A meta da prefeitura é a redução da pobreza à metade no quarto de século terminado em 2015, entre a Copa de Mundo e as Olimpíadas.

Marcelo Neri destaca outra inovação do Família Carioca: a ênfase dada à educação na primeira infância, que tem se mostrado como determinante no desempenho escolar e social futuro.

Como os desafios de cobertura estão presentes nesta faixa etária, Neri explica que se optou por inverter os termos de oferta nesta faixa, privilegiando as famílias mais pobres presentes no Cadastro Único na alocação de crianças em creches e pré-escolas da cidade, assim como no programa Primeira Infância Carioca (PIC), com atividades complementares para aqueles que não obtiveram vagas na rede municipal.

A presença dos pais em reuniões bimestrais também é parte das condicionalidades nesta faixa etária. O programa do município do Rio de Janeiro dá um benefício básico, e até três benefícios por família, “número máximo de forma a evitar incentivos à natalidade”, ressalta o economista Marcelo Neri.

De maneira geral, se todas as condicionalidades e os prêmios forem concedidos, o Família Carioca transferirá R$ 122 milhões por ano para 98 mil famílias compostas de 421 mil pessoas, sendo 56,7% menores de idade.

Famílias já contempladas pelo Bolsa Família com R$ 95 médios mensais receberão ainda do Família Carioca um benefício médio de R$ 104 por mês, composto de R$ 70 de benefícios básicos e condicionalidades e mais R$ 34 de prêmios educacionais.

Os benefícios totais variam de acordo com a pobreza e o desempenho escolar, indo do piso fixado de R$ 20 até R$ 417 por mês por família beneficiada, 80% delas das Zonas Oeste e Norte, as mais pobres da cidade.

Só em Santa Cruz o programa levaria benefícios a 53 mil pessoas. Nos complexos gêmeos da Penha e do Alemão são 52 mil pessoas.

O valor médio é de R$ 105 por mês, e com o Bolsa Família, o benefício médio por família poderia chegar a R$ 200.

Marcelo Neri destaca que um dos pontos básicos para a implantação do programa foi a integração dos cadastros municipal e federal para identificar os pobres cariocas assistidos pelo Bolsa Família.

O sistema de pagamento do Família Carioca se utiliza do acervo de informações do Cadastro Social Único para, segundo Marcelo Neri, “captar, na definição do seu público-alvo, múltiplas dimensões da vida dos pobres, desde o acesso a outras transferências de renda e serviços públicos, configuração física da moradia, educação e trabalho de todos familiares, a presença de pessoas vulneráveis com deficiência, grávidas, lactantes, crianças”.

Primeiro estima a renda permanente das pessoas a partir desse conjunto de informações, para depois completá-la até a renda mínima fixada, “dando mais benefícios a quem tem menos, tratando os pobres na medida de suas diferenças”, segundo Neri.

A busca dos mais pobres dos pobres é facilitada pelo uso da renda estimada a partir de ativos e carências, e não da renda declarada pelas pessoas.

A equipe da Fundação Getulio Vargas utilizou para medir o impacto sobre a pobreza presente um índice denominado P2, segundo Neri o “favorito de nove entre dez especialistas por enxergar na bruma das carências a desigualdade entre os pobres”.

A previsão é que o P2 no universo de beneficiários vai cair instantaneamente 80% a partir do primeiro pagamento do Família Carioca, a um custo de menos de 0,7% do orçamento público da cidade.

Para Marcelo Neri, a exigência de maior frequência dos alunos, a presença dos pais nas escolas, a inclusão da educação da primeira infância e os prêmios-extras por desempenho escolar “farão com que a maior renda dos pobres hoje seja seguida de novos horizontes de riqueza”.

O Família Carioca é um programa de renda mínima que conjuga, na definição de Marcelo Neri, as máximas de Mahatma Gandhi e de Confúcio: chegar aos mais pobres dos pobres, dar mais a quem tem menos; e não dar apenas o peixe a quem é pobre, mas ensinar os seus filhos a pescar.

O Globo, 11/12/2011