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Foro em debate

 

O debate sobre o foro privilegiado está ganhando corpo não apenas porque o ministro do Supremo Luis Roberto Barroso fez uma sugestão sobre sua limitação, mas principalmente porque está prestes a ser divulgada uma série de delações premiadas de executivos da Odebrecht que transformarão em alvos de investigação pelo Ministério Público e Polícia Federal centenas de parlamentares e ex-parlamentares.

Até mesmo o presidente Temer, e vários de seus assessores de primeiro escalão, estão na lista das denúncias e o Supremo Tribunal Federal terá uma missão gigantesca: separar o joio do trigo e levar a julgamento parte considerável desses políticos.

Certamente o ministro Barroso aproveitou a oportunidade de um processo para levantar a questão, que é inescapável. O Supremo, diante dos fatos passados, corre o risco de ser visto pela opinião pública como uma instância de blindagem política dos acusados.

Muito ao contrário de estar acusando o STF, do qual faz parte, de negligência, Barroso está chamando a atenção para a necessidade de uma atitude proativa antes que o Supremo seja atropelado pela realidade de centenas de novos processos envolvendo políticos com foro especial por prerrogativa de função que simplesmente podem não ir adiante.

No julgamento, ano passado, que tornou o então presidente do Senado Renan Calheiros réu pela primeira vez, a maioria dos ministros criticou a demora na tramitação do processo, em defesa da atuação do STF no exame de inquéritos contra políticos com foro privilegiado.

O processo sobre Renan, em que ele é acusado de peculato por ter usado dinheiro de uma empreiteira para pagar pensão alimentícia para uma filha fora do casamento, é exemplar da lentidão que favorece os que têm foro privilegiado. Os acontecimentos abordados pela Procuradoria-Geral da República ocorreram entre 2004 e 2007, e o processo ficou na PGR até 2013.

Primeiro relator do inquérito, o ministro Ricardo Lewandowski  lembrou que o caso ficou mais de três anos no Ministério Público. Teori Zavascki, relator no Supremo da Lava Jato na ocasião, disse que não se pode culpar o STF pela demora processual. O ministro disse que é responsável por 100 inquéritos, e que 95 não estão no seu gabinete. “Estão em diligências na Polícia Federal ou na PGR. Ou seja, não é o STF só que é culpado pelo atraso dos processos. O STF é juiz, e não busca as provas”.

 Vários ministros votaram na ocasião com críticas ao trabalho do Ministério Público, e o próprio Zavascki disse que aquela "não é um modelo de denúncia", com indícios “precários e no limite".

O debate atual ganhou novas cores ontem com a entrada de dois ministros do Supremo: Luiz Edson Facchin, relator da Lava Jato, e Gilmar Mendes, cada um com seu estilo e opiniões distintas. O ministro Fachin considera que o foro privilegiado é “incompatível com o princípio republicano”. De acordo com o Fachin, é necessário realizar um debate para determinar se o mecanismo pode ser alterado por uma nova interpretação constitucional, como sugere Barroso, ou se depende de uma ação do Legislativo, já que seria necessária uma mudança na Constituição.

O ministro Gilmar Mendes considera que o debate é baseado em dados equivocados, e criticou em diversos meios a pesquisa da FGV Direito Rio que mostra a lentidão da última instância. Mendes diz que justamente por ser a última instância, os processos demoram mais no STF, mas discorda da tese de que na primeira instância os processos sejam mais ágeis.

Lembrou que quando presidiu o Conselho Nacional de Justiça constatou pelo país afora processos que prescreviam até mesmo em júri popular. “Quando era presidente do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), eu estive em Alagoas, e lá nós encontramos 5 mil homicídios caracterizados sem inquérito aberto”.

Ele é um crítico do que chama de Supremo legislador, e, numa referência ao ministro Barroso, diz que é preciso “usar as sandálias da humildade e não ser tão inventivo”. Gilmar Mendes considera normal que um processo sobre um político mude de instância quando ele perde o mandato, e não considera que essa tramitação seja culpada pela prescrição dos processos.

E critica também outra proposta de Barroso, que já sugeriu a criação de uma Vara Especial para cuidar apenas de processos de políticos, tirando-os do Supremo Tribunal Federal: “Vamos criar uma casta de superjuízes, todo poderosos”.

O Globo, 18/02/2017