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Fim do sigilo

 

Não é pura coincidência o fato de Eike Batista ter sido preso no mesmo dia em que a ministra Carmem Lucia homologou as delações premiadas do Odebrecht. Os dois fatos mostram um país que está em pleno processo de mudança, embora a transição seja acidentada e cheia de obstáculos que precisam ser ultrapassados, como a própria homologação, que garantirá que os políticos de vários partidos, principais alvos das delações da empreiteira, não ficarão impunes.

E também os segredos que Eike Batista tem guardados e pretende revelar para passar tudo a limpo, segundo ameaçou. As duas faces do mesmo esquema de corrupção serão reveladas simultaneamente, alcançando o espectro político que estava no poder até recentemente – e no caso do Rio, o PMDB continua lá – e envolvendo uma miríade de partidos políticos que a promiscuidade partidária se encarregou de misturar na mesma teia que começa a ser desvendada.   
 
Não é possível saber se o ministro Teori Zavascki quebraria o sigilo das delações premiadas dos executivos da Odebrecht, a não ser que alguém revele uma confidência do falecido relator a esse respeito. Mas que elas devem ser tornadas públicas, parece consenso na opinião pública. 
Pela lei, os depoimentos das delações premiadas são liberados apenas no final do processo, e apenas quando o Ministério Público considera que as investigações levantaram provas suficientes para que abra um processo contra alguém delatado ou peça permissão ao Supremo caso o delatado tenha foro privilegiado.

Mas cabe ao relator do processo a prerrogativa de liberá-los, caso considere importante para o interesse público. O substituto de Teori Zavascki, que será indicado na quarta-feira, terá essa possibilidade. A pressão nesse sentido começou pelo próprio Procurador-Geral da República, Rodrigo Janot, que já confidenciou o que dissera publicamente em dezembro, pouco antes de enviar ao Supremo as 77 delações premiadas dos executivos da Odebrecht: vai pedir ao Supremo a quebra de sigilo dos depoimentos.

Aliás, ao enviá-las no último dia antes do recesso, Janot irritou profundamente Teori Zavascki e a presidente do STF, Carmem Lucia, que entenderam o gesto do Procurador-Geral como uma jogada populista, deixando ao gabinete do relator no STF a tarefa de ter que trabalhar durante o recesso, caso não quisesse dar a impressão de que a Lava Jato estava atrasada por sua causa.

A pressão virá de todos os lados, inclusive o presidente da OAB, Claudio Lamachia, já disse que é importante a quebra do sigilo, pois, numa democracia, a luz do sol é o melhor detergente, citando o ministro da Suprema Corte dos Estados Unidos Louis Brandeis (1856-1941).

Mas os depoimentos provavelmente vão começar a vazar de todos os lados. No Ministério Público há um grupo que acha que, liberando os depoimentos, fica reduzida a possibilidade de pressão política para que as investigações não andem.
A decisão da Ministra Carmem Lucia, presidente do Supremo Tribunal Federal, de manter o sigilo das delações premiadas da Odebrecht que homologou vai transferir, portanto, para o novo relator da Lava Jato no STF a decisão de liberá-las, sob forte pressão da opinião pública.

O falecido ministro Teori Zavascki usou essa prerrogativa diversas vezes, liberando alguns depoimentos, e mantendo o sigilo de outros. Devido ao interesse público desses depoimentos, que ontem já estavam à disposição do Ministério Público e da Polícia Federal para o início das investigações, é provável que antes mesmo que o novo relator do Supremo seja escolhido, na quarta-feira, detalhes das delações já estejam divulgados.

Interessa aos delatores, e também ao Ministério Público, que as acusações mais graves sejam de conhecimento público, para que eventuais pressões não atrapalhem a investigação, que se inicia no dia 1, fim do recesso.  

Foi por isso que a ministra Carmem Lucia homologou as delações, para que o esquema de pressão política não atrasasse as investigações. Ao mesmo tempo, a decisão da presidente do Supremo soa como uma garantia à sociedade de que as investigações não serão afetadas com a morte de Teori Zavascki. Uma homenagem a ele e também à democracia.

O Globo, 31/01/2017