A metade do século passado foi marcada na América Latina pela Revolução Cubana. Cuba foi o pivô da maior crise ocorrida durante Guerra Fria. A firmeza de Kennedy e a sensatez daquele camponês esperto Nikita Kruschev conjuraram o conflito nuclear. Como hipotecas ficaram a retirada de armas nucleares da Turquia e o compromisso dos Estados Unidos de não invadirem Cuba.
Dois homens marcaram profundamente a história da América Latina: Bolívar e Fidel. Bolívar com seu sonho integracionista e seu memorável carisma. Fidel é o herói dos tempos modernos. A revolução romântica contra a ditadura, movida pelos ideais de liberdade desfraldados
Vivi intensamente o período inaugural do que agora parece chegar ao fim. Fizemos discursos inflamados. Vitoriosa a luta, nós da UDN do fim dos anos 50, Carlos Lacerda à frente, convidamos os vencedores cubanos para virem ao Brasil explicar o que fora a caminhada para a democracia. Participei do Comício da Candelária e ouvi Fidel, teatralmente, parar seu discurso e indagar: "¿Como voy, Camilo?". "Vas bien, Fidel". Camilo (Cienfuegos) era dos comandantes da Sierra Maestra.
Por coincidência estava nas Nações Unidas, em 1961, quando Raul Roa anunciou a adesão de seu país ao comunismo. Foi um Deus nos acuda, mas era o caminho previsível para os jovens revolucionários, que já se orientavam nitidamente para a esquerda. Vieram o vexame da Baía de Porcos, a crise dos foguetes e a consolidação de Cuba como pólo de irradiação do movimento comunista.
Cuba sobreviveu à União Soviética. Fidel envelheceu. Conheci-o com certa intimidade. Pude aquilatar o quanto de mito já existia nesse homem que se convertera em referência mundial do embate contra o gigante americano. Reatei relações do Brasil com Cuba e fui o primeiro a propor sua entrada no sistema americano na Reunião do Grupo dos Oito em Acapulco.
É com a visão desse passado que vejo seu corpo dar avisos de fragilidade. Dos grandes homens o que vale não é verdadeiramente sua vida, mas a simbologia da vida. Desgarram-se deles, por vezes, as manchas cruéis da existência.
Fidel Castro hoje é uma figura que pertence à História, assim como Bolívar. Sua densidade não nasce do martírio, como Che Guevara, mas da construção de uma idéia força.
Como Ortega, antes, na Nicarágua, Chávez busca o posto e a aura de Fidel. Objetivos impossíveis de serem atingidos. Falta ao presidente venezuelano biografia e sobra-lhe petróleo.
Jornal do Brasil (Rio de Janeiro) 18/08/2006