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A ficção do Amaury

 

O livro “Privataria tucana”, da Geração Editorial, de autoria de Amaury Ribeiro Jr, é um sucesso de propaganda política do chamado marketing viral, utilizando-se dos novos meios de comunicação e dos blogueiros chapa-branca para criar um clima de mistério em torno de suas denúncias supostamente bombásticas, baseadas em “documentos, muitos documentos”, como definiu um desses blogueiros em uma entrevista com o autor do livro.

Disseminou-se a ideia de que a chamada “imprensa tradicional” não deu destaque ao livro, ao contrário do mundo da internet, para proteger o ex-candidato tucano à presidência José Serra, que é o centro das denúncias.

Estariam os “jornalões” usando dois pesos e duas medidas em relação a Amaury Jr, pois enquanto acatam denúncias de bandidos contra o governo petista, alegam que ele está sendo processado e, portanto, não teria credibilidade?

É justamente o contrário. A chamada “grande imprensa”, por ter mais responsabilidade que os blogueiros ditos independentes, mas que, na maioria, são sustentados pela verba oficial e fazem propaganda política, demorou mais a entrar no assunto, ou simplesmente não entrará, por que precisava analisar com tranqüilidade o livro para verificar se ele realmente acrescenta dados novos às denúncias sobre as privatizações, e se tem provas.

Outros livros, como "O Chefe", de Ivo Patarra, com acusações gravíssimas contra o governo de Lula, também não tiveram repercussão na "grande imprensa" e, por motivos óbvios, foram ignorados pela blogosfera chapa-branca.

Desde que Pedro Collor denunciou as falcatruas de seu irmão presidente, há um padrão no comportamento da “grande imprensa”: as denúncias dos que participaram das falcatruas, sejam elas quais forem, têm a credibilidade do relato por dentro do crime.

Deputado cassado e presidente nacional do PTB, Roberto Jefferson desencadeou o escândalo do mensalão com o testemunho pessoal de quem esteve no centro das negociações, e transformou-se em um dos 38 réus do processo.

O ex-secretário de governo Durval Barbosa detonou a maior crise política da história de Brasília, com denúncias e gravações que culminaram com a prisão do então governador José Roberto Arruda e vários políticos.

E por aí vai. Já Amaury Ribeiro Jr. foi indiciado pela Polícia Federal por quatro crimes: violação de sigilo fiscal, corrupção ativa, uso de documentos falsos e oferta de vantagem a testemunha, tendo participado, como membro da equipe de campanha da candidata do PT, de atos contra o adversário tucano.

O livro, portanto, continua sendo parte da sua atividade como propagandista da campanha petista e, evidentemente, tem pouca credibilidade na origem.

Na sua versão no livro, Amaury jura que não havia intenção de fazer dossiês contra Serra, que foi contratado “apenas” para descobrir vazamentos internos e usou seus contatos policiais para a tarefa que, convenhamos, conforme descrita pelo próprio, não tem nada de jornalística.

Ele alega que a turma paulista de Rui Falcão (presidente do PT) e Palocci queria tirar os mineiros ligados a Fernando Pimentel da campanha, e acabou criando uma versão distorcida dos fatos.

No caso da quebra de sigilo de tucanos, na Receita de Mauá, Amaury diz que o despachante que o acusou de ter encomendado o serviço mentiu por pressão de policiais federais amigos de José Serra.

Enfim, Amaury Ribeiro Jr, tem que se explicar antes de denunciar outros, o que também enfraquece sua posição.

Ele e seus apoiadores ressaltam sempre que 1/3 do livro é composto de documentos, para dar apoio às denúncias.

Mas se os documentos, como dizem, são todos oficiais e estão nos cartórios e juntas comerciais, imaginar que revelem crimes contra o patrimônio público é ingenuidade ou má-fé.

Que trapaceiro registra seus trambiques em cartórios?

Há, a começar pela escolha do título – Privataria Tucana – uma tomada de posição política do autor contra as privatizações.

E a maneira como descreve as transações financeiras mostra que Amaury Ribeiro Jr. se alinha aos que consideram que ter uma conta em paraíso fiscal é crime, especialmente se for no Caribe, e que a legislação de remessa de dinheiro para o exterior feita pelo Banco Central à época do governo Fernando Henrique favorece a lavagem de dinheiro e a evasão de divisas.

É um ponto de vista como outro qualquer e ele tenta por todas as maneiras mostrar isso, sem, no entanto, conseguir montar um quadro factual que comprove suas certezas.

Vários personagens, a maioria ligada a Serra, abrem e fecham empresas em paraísos fiscais, com o objetivo, segundo ilações do autor, de lavar dinheiro proveniente das privatizações e internalizá-lo legalmente no País.

Acontece que passados 17 anos do primeiro governo de Fernando Henrique Cardoso, e estando o PT no poder há 9 anos, não houve um movimento para rever as privatizações.

E os julgamentos de processos contra os dirigentes da época das privatizações não dão sustentação às críticas e às acusações de “improbidade administrativa” na privatização da Telebrás.

A decisão nº 765/99 do Plenário do Tribunal de Contas da União concluiu que, além de não haver qualquer irregularidade no processo, os responsáveis “não visavam favorecer em particular o consórcio composto pelo Banco Opportunity e pela Itália Telecom, mas favorecer a competitividade do leilão da Tele Norte Leste S/A, objetivando um melhor resultado para o erário na desestatização dessa empresa”.

Também o Ministério Público de Brasília foi derrotado e, no recurso, o Tribunal Regional Federal do Distrito Federal decidiu, através do juiz Tourinho Neto, não apenas acatar a decisão do TCU mas afirmar que “não restaram provadas as nulidades levantadas no processo licitatório de privatização do Sistema Telebrás. Da mesma forma, não está demonstrada a má-fé, premissa do ato ilegal e ímprobo, para impor-se uma condenação aos réus.

Também não se vislumbrou ofensa aos princípios constitucionais da Administração Pública para configurar a improbidade administrativa.”.

O livro de Amaury Ribeiro Jr. está em sexto lugar na lista dos mais vendidos de “não ficção”. Talvez tivesse mais sucesso ainda se estivesse na lista de “ficção”.

O Globo, 18/12/2011