No que interessa realmente à elucidação do esquema criminoso que está sendo julgado pelo Supremo Tribunal Federal, começou a ser formado um entendimento majoritário de que os empréstimos do Banco Rural às agências de publicidade de Marcos Valério e ao Partido dos Trabalhadores foram fictícios, utilizados para encobrir o desvio de dinheiro público que foi distribuído a políticos petistas e aliados do governo Lula em seu primeiro mandato, no que ficou conhecido como o escândalo do mensalão.
Os únicos que discordaram dessa tese até o momento foram o revisor ministro Ricardo Lewandowski e o ministro Dias Toffoli que, mesmo quando condenaram acusados de algum crime, o fizeram separando deliberadamente causa e efeito, tenho a impressão de que para, ao final, concluírem que houve mesmo apenas caixa 2 eleitoral.
O ministro Dias Toffoli disse ontem, por exemplo, que a fraude do Banco Rural aconteceu com o intuito de dar a impressão ao Banco Central de que o banco estava mais saudável do que na realidade, enquanto Lewandowski disse que o banco queria agradar Marcos Valério porque o considerava canal para bons negócios com o novo governo petista.
O ministro Tofolli se baseou num laudo do Instituto de Criminalística da Polícia Federal para dizer que os empréstimos existiram. O relator Joaquim Barbosa esclareceu que esse laudo “foi já elaborado sobre a contabilidade fraudada”.
E por isso os peritos fazem a ressalva de que não se manifestavam sobre a veracidade dos empréstimos, mas apenas sobre a formalidade.
A teoria do controle final ou funcional do fato, referida pelo Procurador-Geral da República Roberto Gurgel quando fez a acusação ao ex-ministro José Dirceu de ser o “chefe da quadrilha” do mensalão voltou a ser citada ontem por vários ministros.
Rosa Weber, por exemplo, disse que nos crimes desse tipo “é necessário verificar quem detinha o poder de mando. Mal comparando, nos crimes de guerra punem-se os generais, os estrategistas; não os soldados”.
Ela ressaltou que “o autor é o dirigente ou dirigentes que podem evitar que o fato ocorra”. Diante de “empréstimos jamais cobrados, ou empréstimos concedidos ou renovados sem qualquer preocupação de garantia da liquidez” a ministra concluiu que eles eram fraudulentos.
A ministra Rosa Weber citou o fato de Marcos Valério ter sido o responsável pelo agendamento “por pelo menos três vezes” de reuniões com o Banco Rural e o então ministro Chefe do Gabinete Civil José Dirceu, das quais Kátia Rabelo participou duas vezes.
Além disso, ela lembrou que Marcos Valério foi utilizado na promoção da instituição financeira junto ao Banco Central, comentando que o banco utilizava “as boas relações de Marcos Valério com o PT”.
Para a ministra, “esses crimes não poderiam ser fruto do acaso, de falhas operacionais. Não se trata de pura e simples presunção, mas de compreender os fatos consoante à realidade das coisas”.
O Ministro Luis Fux foi o que mais explicitou o cerne da questão, ao explicar que não estavam os ministros a discutir apenas a concessão de empréstimos: “Não, a gestão fraudulenta tem um mosaico de infrações; temos uma demonstração de que o núcleo financeiro deu apoio através de um núcleo publicitário para uma agremiação partidária”.
Para ele, a entidade bancária “serviu de uma verdadeira lavanderia de dinheiro para se cometer um crime que não está nem previsto na lei: deveria ser gestão tenebrosa, pelos riscos que acarreta à economia popular”.
Na mesma linha, a Ministra Carmem Lucia, aceitando a tese de que os empréstimos “não seriam verdadeiros”, falou sobre a importância de se definir a verdadeira razão dos empréstimos às agências SM&B e à Graffiti e também ao Partido dos Trabalhadores, para os quais o banco desrespeitou todas as normas:
“Como as instituições financeiras atuam num sistema, tudo o que é do povo não pode ser gerido de acordo com (a decisão) de qualquer um”, mas deve obedecer a normas ditadas pelo Estado para que o povo tenha confiança de deixar seu dinheiro ser gerido por uma instituição financeira.
O Globo, 6/9/2012