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Fazer o que é certo

 

O ministro Alexandre de Moraes, relator do inquérito das fake news em tramitação no Supremo Tribunal Federal (STF), encaminhará esta semana ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) os dados das quebras dos sigilos e das comunicações dos investigados relacionados com a campanha eleitoral de 2018.

A maior parte do material colhido anteriormente, neste ano de investigação, não tem a ver propriamente com a eleição presidencial, e já foi encaminhada à primeira instância.  Empresários que sofreram busca e apreensão em suas residências e escritórios, o mais notório sendo Luciano Hang, são investigados pelo financiamento do chamado “gabinete do ódio”, que veicula fake news através de uma ampla atividade nas redes sociais, e podem estar envolvidos também nos impulsionamentos ilegais de noticias pelo WhatsApp durante a campanha eleitoral, o que provaria o abuso do poder econômico a favor da chapa Bolsonaro-Mourão.

A alusão a “julgamentos políticos” inaceitáveis pelas Forças Armadas na estranha nota oficial que o presidente Bolsonaro emitiu na sexta-feira à noite, co-assinada pelo vice-presidente General Hamilton Mourão e pelo ministro da Defesa General Fernando Azevedo, é seu ponto mais delicado politicamente, pois se refere ao julgamento do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) da chapa presidencial vitoriosa.

No mesmo dia mais cedo saíram a decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luis Fux, que formalmente desclassifica a interpretação de que o artigo 142 da Constituição dá às Forças Armadas o papel de poder moderador entre os Poderes, e a decisão do relator do TSE, ministro Og Fernandes, de compartilhar com o Supremo as provas do inquérito relatado pelo ministro Alexandre de Moraes sobre as fake news.  

Foram movimentos isolados que se juntaram na leitura do governo de que estaria sendo orquestrado um “julgamento político” para impugnar a chapa Bolsonaro-Mourão. O presidente do TSE, ministro Luis Roberto Barroso, aproveitou uma entrevista a correspondentes estrangeiros para rebater indiretamente: “O TSE fará o que tem que ser feito”, disse ele, garantindo que o julgamento dos diversos processos contra a chapa de Bolsonaro será técnico, e não político.

Reconhecido como um juiz “consequencialista”, o ministro Barroso faz questão de distinguir essa característica, que ele não repudia, da tomada de decisão de acordo com a repercussão de seu voto. O “consequencialismo” não pressupõe abrir mão do que é certo ou errado para tomar uma decisão política. Como parte do pragmatismo, o consequencialismo apenas entra em cena se houver mais de uma possibilidade razoável sem ferir o direito de ninguém.

Nesses casos, as decisões podem levar em conta suas consequências. Antes disso, porém, ressalva Barroso, há o certo e o errado, que será sempre a base da decisão, como ele disse aos jornalistas estrangeiros. No Palácio do Planalto há a convicção de que está sendo armada uma decisão politica para tirar Bolsonaro do poder, e por isso a nota oficial foi assinada também pelo vice-presidente Mourão, uma informação de que o General não estaria disposto a fazer um acordo político para ficar no lugar do presidente em caso de impugnação.

O temor do governo Bolsonaro é que, como o ministro Og Fernandes disse em sua decisão de aceitar o compartilhamento de provas, empresários bolsonaristas investigados no inquérito do Supremo sejam envolvidos na acusação de impulsionamento ilegal de WhattsApp durante a campanha presidencial, pois o ministro Alexandre de Moraes pediu a quebra de sigilo recuando até julho de 2018.  

O relator do TSE citou nominalmente Luciano Hang ao se referir aos recursos que financiam os mesmos grupos, que distribuem noticiais falsas (fake news) e o dos impulsionamentos ilegais a favor de Bolsonaro, ou contra seus adversários, durante a campanha presidencial de 2018. O ministro Og Fernandes abriu mão até mesmo de esperar a decisão do Supremo sobre a legalidade do inquérito das fake news, cujo julgamento se encerrará nesta semana, quando também expira o prazo de 15 dias dados à Polícia Federal para entregar os laudos.

O Globo, 14/06/2020