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Estagnação social

 

Dois dados de pesquisas nacionais são indicadores de que estamos estagnados em políticas sociais fundamentais, como a redução da taxa de pobreza e do analfabetismo funcional. Apesar de termos avançado nesses dois campos até recentemente, os números mostram que já não temos eficiência para manter o declínio dessas taxas, o que talvez explique parte da dificuldade para reverter a impopularidade de Lula neste seu terceiro governo.

Responsável pela redução da taxa de pobreza com programas sociais do tipo Bolsa Família, reforçando a melhoria que já havia sido determinada pelo Plano Real com o fim da hiperinflação, há registros mostrando que a perda de fôlego dessas políticas começou em 2023, quando a redução da pobreza passou de 5 pontos percentuais para 2, caindo para 0,8 em 2024 e 0,2 esperado para este ano. Mesmo tendo caído de 21,7% para 20,9% no ano passado, o terceiro consecutivo em que o indicador do Banco Mundial mostra redução, a taxa brasileira ainda é muito alta em comparação com países da região, casos de Chile (4,6%), Argentina (13,3%), Bolívia (14,1%) e Paraguai (16,2%).

Em relação à redução do analfabetismo funcional, estagnamos na faixa de 29% da população de 15 a 64 anos, mesmo índice registrado em 2018, um recuo em relação a 2009, quando alcançava 27%, segundo o Indicador de Analfabetismo Funcional. Até aquele ano, houve redução contínua, mas estamos no mesmo patamar desde então. Esses dois dados mostram que temos quase um terço da população sem condições de pensar além do cotidiano, sem perspectiva de futuro e submetida a políticos populistas, sejam de esquerda ou de direita, que a manipula em benefício próprio.

Outras pesquisas mostram que, apesar do aumento do PIB, a inflação come o poder de compra que pode ter aumentado com o crescimento econômico, mantendo a sensação de mal-estar na população mais pobre. Nas versões iniciais, Lula mostrou sensibilidade para atacar a pobreza com programas que, ao mesmo tempo, trouxeram votos para ele e para o PT. Deu certo até a reeleição de Dilma, embora já ali em 2014 houvesse indicações claras de insatisfação com a política econômica e, sobretudo, com a corrupção. As duas como consequência da eleição de Dilma em 2010 e de seu desastroso governo.

O mensalão em 2005 abalou a popularidade de Lula, mas não havia naquele momento condições políticas para culpá-lo pelo escândalo, embora todos soubessem quem mandava. A ponto de ele ter pedido desculpas em público, alegando ter sido enganado. Coube a José Dirceu a culpa maior. O petrolão, claramente uma continuação do mensalão na cooptação de apoio parlamentar, atingiu Lula em cheio, levando-o à prisão. A ascensão do bolsonarismo, responsável pela debacle do petismo, deveu-se, assim, muito mais aos repetidos atos de corrupção dos governos Lula do que, como gostam de dizer os petistas, à Operação Lava-Jato, que foi apenas uma reação da sociedade civil aos crimes repetidos que eram cometidos.

É nesse contexto que a situação de Lula e seu terceiro governo têm piora quando surgem denúncias de corrupção, como agora o escândalo do roubo dos aposentados do INSS. Mais uma vez abusa-se de instituição estatal para financiar ilegalmente partidos e sindicatos, com efeito direto nos mais pobres. O presidente do PDT, Carlos Lupi, já havia sido demitido do governo Dilma também por suspeita de corrupção, quando era ministro do Trabalho, e agora volta a ter de sair sob suspeita. As pesquisas sugerem que quem recebe benefícios sociais já não atribui a Lula um favor, mas uma obrigação confirmada pelos governos não petistas, como Michel Temer e Jair Bolsonaro. Se, como tudo indica, Lula pretende recuperar a popularidade dando mais benefícios sociais, há o perigo de não obter êxito, porque a inflação que advirá dos novos gastos pressionará o dia a dia dos mais pobres.

O Globo, 06/05/2025