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Errando por último

 

O ministro Luiz Fux, relator do processo sobre o juiz de garantias, está empenhado em entregar seu voto para deliberação do plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) ainda na gestão do presidente Dias Toffoli, com quem teve uma discordância jurídica a respeito do assunto que levou mais uma vez a uma disputa pública entre seus membros.

Com isso, pretende colocar um ponto final nas especulações de que “sentaria em cima” do processo, para somente levá-lo ao plenário quando e se quisesse, pois em setembro assumirá a presidência do Supremo, em substituição a Toffoli.

Evidente que o que aconteceu nas últimas semanas, com plantonistas anulando-se um ao outro com liminares absolutamente desnecessárias, não é espetáculo bom de se ver na mais alta Corte do país, a que tem o direito de errar por último, segundo Rui Barbosa.

Mas tem havido muito erro junto, e com constância, apenas para fazer com que a posição individual prevaleça. Não é à toa que as decisões monocráticas são maioria no Supremo, e por isso há propostas no Congresso para limitar o número de vezes num ano em que os ministros do Supremo poderão utilizar esse recurso.

Esse caso do juiz das garantias é exemplar. Qual a necessidade de o presidente do Supremo, Dias Toffoli, dar uma liminar sobre o tema, se poucos dias depois o relator do caso, o ministro Fux, assumiria o plantão do STF? Quem atropelou Fux foi Toffoli, e não o contrário.

É notório que, assim como na maioria das matérias polêmicas, o plenário do Supremo está dividido também nessa questão, sendo que a maioria já anunciada está ao lado da implantação do juiz de garantias. Outra peculiaridade do nosso Supremo, os ministros dão opiniões públicas sobre temas que vão julgar.

O relator Fux está do lado que vê desnecessidade e ilegalidade nessa nova figura do processo penal brasileiro, e sabia-se que, ao assumir o caso, no plantão ou na volta do recesso em 3 de fevereiro, daria uma decisão liminar suspendendo sua implementação enquanto todos os lados da disputa fossem ouvidos.

Pensando como pensa, não poderia dar curso à implantação da medida, criada pelo Congresso e sancionada pelo presidente Bolsonaro, sem marcar sua posição, mesmo que contramajoritária e fadada a ser derrotada no plenário.

Sabendo disso, Toffoli adiantou-se para criar constrangimentos ao relator, não apenas alargando o prazo de implantação para 180 dias — no que fez muito bem, pois o de um mês era ridiculamente curto — como dando opiniões sobre o mérito da questão e definindo os casos em que o juiz de garantias não atuaria, o que é tarefa do relator.

As aparências foram salvas porque os dois se falaram antes das respectivas decisões, mas Toffoli não abriu mão de marcar sua posição a favor do juiz de garantias. Já havia garantido ao presidente Bolsonaro que a medida era constitucional, avalizando assim a sanção presidencial.

Com o ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, tendo aconselhado o veto, e o relator do processo no Supremo, ministro Luiz Fux, sendo claramente contra a implantação, Toffoli e Bolsonaro se uniram para viabilizar a adoção do juiz de garantias, que serve aos interesses políticos de ambos e esvazia a atuação dos juízes de primeira instância, como o caso dos juízes da Lava-Jato.

O ministro Fux, ao adiar sine die a implantação do novo mecanismo, anunciou que fará audiências públicas sobre o tema, um trabalho que levará de quatro a cinco meses. A especulação sobre o que Fux faria para inviabilizar a adoção do juiz de garantias gerou boatos sobre a possibilidade, que na realidade é próxima de zero, de juízes descontentes organizarem um boicote à sua eleição em setembro para a presidência do Supremo, colocando em risco uma tradição de, a cada dois anos, fazer um rodízio entre seus membros seguindo o critério de antiguidade: o mais antigo que ainda não exerceu o cargo.

Depois de Fux, será a ministra Rosa Weber, que deve ser eleita vice-presidente em setembro. Tradicionalmente, o potencial sucessor não vota em si mesmo. Se houver mais de um voto contrário a Fux, portanto, a desavença entre seus membros terá escalado um nível perigoso.

O Globo, 29/01/2020