O BRASIL TEM um desafio permanente em sua história: pagar a dívida social. Esse problema, que foi universal, acabou resolvido pelo "Welfare State" (Estado de Bem-Estar Social), pelos regimes democráticos que se sucederam às revoluções do século 18. Aqui o problema da desigualdade cresce a cada dia. Enfrentávamos o descompasso entre as necessidades de crescimento e de promoção social.
Em 1986, com o Plano Cruzado, ocorreu a maior distribuição de renda da nossa história, e as experiências corajosas, "heterodoxas", permitiram o Plano Real. Crescemos, entre 1985 e 1989, em 99% do PIB per capita (FGV, em dólar por variação cambial), e a taxa de desemprego média foi de 3,86%. Em 1986, chegou a 2,16%.
Lembro isso para comentar os dados divulgados pela Folha: a proporção de miseráveis caiu de 28,2% em 2003 para 19,3% da população, com uma redução de 14% só no ano de 2006.
Os resultados são atribuídos à geração de postos de trabalho -8,7 milhões entre 2003 e 2006-, que só foi possível graças aos resultados da política econômica em geral, com o grande superávit na balança comercial, a estabilidade da moeda e a nossa inserção internacional. E, sem dúvida, o êxito do Bolsa Família, espalhando-se por todas as populações carentes do Brasil.
Contudo a desigualdade não será resolvida com um único programa. Sabemos que ela tem uma componente vertical -a relação entre a renda dos 10% mais ricos e dos 10% mais pobres é de 44 vezes, uma das dez piores do mundo. Acrescente-se o componente dos desníveis espaciais e sociais. A situação dos negros é injusta e alarmante. Também a disparidade entre as regiões: a miséria atinge 8,8% da população no Sul, 12,2% no Sudeste, 14,5% no Centro-Oeste, 22,3% no Norte e 36,6% no Nordeste. A própria diminuição da pobreza aconteceu onde ela era menor, aumentando a desigualdade regional. São vergonhosos nossos números de emprego formal. O Nordeste em 17,4%, o Sul, 17,7%, o Centro-Oeste, 8%, e o pobre e marginalizado Norte, 5%!
O texto constitucional de "erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais" ainda é uma bravata de papel. Mas isso não mata nossa esperança.
A prosperidade de todas as regiões é possível. Basta que se aplique uma discriminação positiva, como a Europa fez com Portugal e Espanha e faz hoje com os países do Leste. Não se trata de que umas regiões sejam generosas com outras, mas de que a nação só será forte quando todos forem fortes.
O equilíbrio regional é o grande passo que ainda precisamos dar.
Folha de S. Paulo (SP) 21/9/2007