Em hidreletricidade, energia limpa e inesgotável, o Brasil ocupa no mundo uma posição semelhante à da Arábia Saudita em petróleo. Graças a nossas características hidrográficas e nosso engenho técnico nos últimos 50 anos, mais de 90 por cento de nossa capacidade de geração se baseia em duas coisas gratuitas: a água das chuvas e a força da gravidade. Bacias hidrográficas generosas, com centenas de rios perenes e abundantes, se espalham por grandes regiões cujos regimes de chuvas são bastante diferentes. Quando barrados, constituem grandes lagos, energia potencial estocada que país nenhum possui. Em 1957, o Estado construiu a barragem de Furnas, para garantir o necessário aumento de oferta. Com o esforço e o talento de várias gerações, tudo se aperfeiçoou. Como as chuvas também variam de região para região, o sistema foi interligado por linhas de transmissão, de modo a permitir que um operador central racionalizasse o uso da água disponí-vel em todo o país. Dessa combinação de características eminentemente brasileiras resultava uma altíssima confiabilidade. O Brasil, finalmente, tinha energia barata e segura que assegurasse força suficiente para a política desenvolvimentista iniciada por JK.
Mesmo sendo estatal, o setor nunca foi monolítico. Organizou-se em torno de uma holding - a Eletrobrás, criada em 1962 -, cercada por empresas federais, estaduais e até mesmo algumas empresas privadas de menor porte, que continuaram existindo. Entre 1957 e 1995, a capacidade instalada saltou de 3.500 para 55.000 mWh. A palavra racionamento foi parar na memória dos cidadãos mais velhos. Era assim o sistema elétrico brasileiro, até oito anos atrás, quando iniciou-se o processo monetarista de submissão ao ditames do FMI e sua conseqüência natural: o abandono de uma política de investimentos e desenvolvimento efetivos em beneficio do pagamento de superávites primários. Foi neste contexto que se tentou forjar um modelo meia-sola de privatização do setor elétrico, caracterizado por um sistema híbrido e indefinido, meio privado meio estatal, que culminou no drama da crise energética que tanto nos prejudicou. Hoje, o governo federal tem que desatar o verdadeiro "Nó Górdio" da política macroeconômica e financeira herdado. O que torna fundamental a votação das reformas tributária e previdenciária que foram apresentadas ao Congresso.
Por outro lado, apesar dos estragos gerados por uma política energética equivocada, herdados do governo anterior, o atual Governo Federal tem planos definidos para recuperar o setor. A então ministra das Minas e Energia, Dilma Rousseff, por exemplo, lançou um programa que levara eletricidade a 1,4 milhão de domicílios da área rural de todo o Brasil que ainda não são ligados a nenhuma rede elétrica. Isto porque a Aneel estabeleceu que, até 2015, todas as localidades brasileiras terão que ter acesso à rede elétrica, bem como metas para cada concessionária de energia. Para atingir este objetivo, a ministra Rousseff informou que será acertada uma parceria entre o governo federal, os governos estaduais e as concessionárias para antecipar o cumprimento dessas metas. Serão necessários investimentos no valor de R$ 6,5 bilhões. Isto mostra que os entendimentos entre o Presidente Lula e os governadores não se restringem apenas a importante questão fiscal, mas envolvem um verdadeiro pacto federativo voltado para a retomada do desenvolvimento, incluindo vários setores estratégicos, como o energético, e o estabelecimento de áreas prioritárias, como é o caso da Região Norte.
A região sul do Amapá, o chamado Vale do Jari, felizmente, já sente resultados da mudança de concepção do Governo Federal na área energética. Ela será uma das beneficiadas, com a construção da Usina Hidrelétrica de Santo Antônio, uma redenção econômica para o Amapá que contará com a participação do Grupo Orsa - controlador da Jari Celulose - e a Eletronorte. A Eletronorte construiu, ainda, uma linha de transmissão que liga Macapá a Calçoene, passando pelos municípios de Tartarugalzinho e Amapá, resgatando uma dívida antiga do Governo com aquelas comunidades que tanto careciam de energia elétrica confiável. Porém, necessitamos ainda viabilizar a construção de uma linha de transmissão ligando Calçoene a Oiapoque, objetivando a interligação de todo o sistema que abastece o Estado do Amapá, cujos estudos já estão sendo realizados pela Eletronorte.
Mas o importante é percebermos o atual contexto político do Amapá numa perspectiva histórica. A partir de 1943, três momentos foram importantes para o estado na fronteira setentrional: enquanto área não integrada ao cenário nacional, enquanto Território Federal e após a sua transformação em Estado. No primeiro momento, havia a preocupação com a defesa territorial, objetivando garantir o domínio e a exploração do seu potencial natural, envolvendo aspectos geopolíticos e econômicos. Nos demais momentos, houve a diversificação das atividades econômicas, a intensificação do movimento migratório e o aumento da sua população urbana.
Hoje, porém, é chegado o momento da consolidação. E isso só será possível através da implementação de uma efetiva infraestrutura que abarque os setores energético, sanitário e de transporte.
Diário do Amapá, 9/1/2012