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Em Alto-Mar

 

Não há oxigênio político fora da democracia. Ninguém se iluda com a pletora de soluções para tirar o país da crise como quem toma um atalho ou desvia de quanto ainda sobrevive da ordem legal.  Apesar de abalada, ferida em seus atributos, vítima de uma arritmia estrutural recente, não existe opção firmada que se afaste do consenso da consulta popular. Ou aprofundamos a República ou afundamos na barbárie. 

Há quem apregoe, na esfera pública, a volta do regime militar, delírio de uma idade de ouro que jamais existiu. Imaginam uma saída através da imposição e da força. À sombra dessas ideias claramente paranoides, agita-se uma direita extremista e raivosa.  

Na última greve, tão complexa, e passível de não poucas releituras, boa parte dos manifestantes clamou pelo fim da democracia. 

Ninguém se esqueça que a conspiração é tipificada como crime, não importa de onde venha ou de quem a pronuncie, de modo aberto ou velado. Para estes senhores, infelizmente existe mais de um candidato, apenas o rei dos mentecaptos. 

Por outro lado, o debate sobre o parlamentarismo avulta inoportuno e extemporâneo. Confesso minha predileção pela temática, mas qual o motivo de trazê-la à tona nessa quadra, a poucos meses do início do debate eleitoral e a consequente decisão das urnas para acender a luz no fim do túnel? Causa estranheza, propor o tema a essa altura e incendiar o país, como se voltassem as velhas práticas de casuísmo, a quebra das regras do jogo, como se dizia outrora. Devemos discutir o regime e a forma de governo sempre, aumentar o impacto de nossa democracia, corrigir seus rumos, mas a opinião pública e as urnas representam as cordas vocais da República. 

Quem seria o presidente escolhido na aventura parlamentar, o inquilino do Planalto, ou quem sabe um de seus assessores que não obtenham uma embaixada? Seria uma forma de impedir a extrema direita de eleger um presidente ou de vedar uma forte candidatura de centro-esquerda?   

Pensar o Brasil a partir dos institutos de pesquisa eleitoral me parece uma temeridade, um decréscimo de magnitude, um ato igualmente perigoso.  A cada eleição seria preciso mudar o regime e a forma de governo. Teríamos uma nuvem democrática, uma democracia mercurial, a descoberto de quaisquer dispositivos legais. 

Navegamos nesta nau dos insensatos, cada qual com o seu próprio timão, porque não poucos se autolegitimam quando o governo deixa de existir, quando permanece de pé graças à tecnologia da máquina e de um partido confederado que, com a sua famosa ponte para o futuro, nos atirou a todos no coração do abismo.  Mais vivo do que nunca, penso em La Rochefoucauld, diante de um governo amedrontado e o tempo todo de joelhos: “Prometemos segundo nossas esperanças e cumprimos segundo nossos medos”. Atualmente o primeiro cedeu lugar ao segundo.  

A reversão desse processo virá da consulta popular, incluída a votação direta à presidência da República.  

O Globo, 06/06/2018