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É só o começo mas pode ser o fim

 

Hoje, domingo, nossos vizinhos argentinos estão escolhendo pelo voto o próximo presidente deles, entre Sergio Massa e Javier Milei. Nenhum dos dois é o ideal para o que necessitam seus eleitores, mas há uma certa diferença entre eles que vale a pena levar em consideração. Massa é um peronista que trabalha na área econômica do atual governo, com uma certa experiência; Milei é um ultradireitista que pretende acabar com os equipamentos econômicos da República Argentina. Os dois pertencem às principais tendências políticas do mundo de hoje.

Confesso que tenho saudade de quando o mundo era mais claro do que agora. Era mais fácil escolher de que lado a gente estava, do socialismo e do pensamento oriental ou do capitalismo e do vício ocidental. De repente, nos anos 1960, surgia uma terceira força, a necessidade de romper com a escolha entre o capitalismo oportunista e brutal e o socialismo brutal e impositivo. De qualquer modo, nem um nem outro nos deixava livre para escolher, em cada assunto, aquilo a que dávamos preferência. Tínhamos que pensar de acordo com eles para sermos respeitados.

Foram anos difíceis aqueles! Era quase proibido ter ideias originais, quem as tivesse estava querendo escapar de uma das duas únicas formas válidas de se entender o mundo. Tanto no colégio quanto depois na universidade, sofríamos muito por causa disso.

As questões que nos separam são até mais simples hoje em dia. Não importa se foi o Hamas que deu o primeiro tiro. Bibi Netanyahu prega a morte sofrida, o sacrifício de todos os palestinos para que não sobre ninguém para contar a história mal contada. Mais ou menos como os nazistas, no tempo deles, fizeram com os próprios judeus, com a mesma ausência de piedade, sobretudo com meninos e meninas, crianças e idosos. A violência em Gaza deve ser sempre creditada ao outro lado, o lado do qual não fazemos parte.

Ainda nas eleições argentinas o candidato Milei prometeu acabar com o cinema local, acabando com a garantia de crédito estatal para fabricá-lo. Não importa se o cinema argentino é hoje um dos melhores do mundo, com o reconhecimento de dois Oscars internacionais. Entre outras qualidades, os filmes argentinos refletem seriamente sobre mitos populares, transportando-os para o mundo real, e suas contingências.

Já tivemos também um mito aqui no Brasil e ele acabou presidente da República. Hoje, graças a Deus, é apenas um ex-presidente que mentiu tanto para o povo, o mesmo povo que cometeu o engano de o eleger, mentiu tanto que suas mentiras se tornaram uma lenda longínqua ou um pesadelo do qual queremos nos livrar para sempre. E podemos nos livrar dos pesadelos reconhecendo a existência de um plano de terror em nossas vidas. Um plano de terror que está em nossas fantasias e não no real a nosso lado.

Bem, tenho muita esperança de que o mundo não vá mesmo se acabar. Mas, que está com cara, está. Cada vez que abro o jornal ou vejo o Tralli na TV, tenho a impressão que aquele mundo que nós aprendemos a saber como era está mesmo para se acabar. A onda de calor em que botam a culpa no El Niño, a seca na Amazônia onde todo mundo tinha medo era de naufrágio, o dióxido de carbono (segundo gente chique e rica, ele não tem nada a ver com o aquecimento global), tudo isso são sinais.

Segundo o grande Drauzio Varella, a exposição prolongada ao calor aumenta os riscos de diabete gestacional e “pré-eclâmpsia, condição marcada por aumento da pressão arterial que pode evoluir com complicações graves, eventualmente fatais”. Ele adverte que mosquitos e carrapatos que se multiplicam com mais facilidade em lugares quentes têm levado para países como os Estados Unidos e alguns europeus doenças infecciosas que eles julgavam extintas. “A Humanidade começa a sentir o impacto do aquecimento global na saúde. É só o começo”.

Se eu fosse argentino, estaria votando hoje em Sergio Massa que, apesar de tudo, acha que tudo pode acabar bem. E, além do mais, Bolsonaro, seu filho e sua turma foram todos para Buenos Aires fazer a campanha de Javier Milei.

O Globo, 18/11/2023