Ao afirmar que a vacinação acontecerá no dia D e na hora H, o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, demonstra que não tem a menor condição de estar à frente de um ministério civil. Pareceu um deboche, mas pode ter sido apenas uma frase típica de quartel. Mas ele não está lá, embora seja um General da ativa, está no ministério da Saúde, um posto civil, e tem que saber se comunicar de maneira que as pessoas entendam.
Não adianta usar chavões militares para dizer que dará a vacina na hora certa, no tempo certo. Além do que esse “tempo certo” já passou tanto que o mundo inteiro já está se vacinando. Nosso dia D deveria ter sido há muito tempo. Quando ele definir o dia D do Brasil, estaremos muitos mil mortos à frente, com a sociedade paralisada pelo medo, com a economia devastada.
É uma situação que a cada dia demonstra que o governo brasileiro não sabe governar, só sabe conversar com o povo para dar orientações incorretas, populismo que é especialidade de Bolsonaro.
O ministro da Saúde está nervoso porque perdeu o controle da situação, não azeitou uma máquina de vacinação que historicamente produziu efeitos. Não se deu conta de que a principal tarefa dele é montar a logística da operação nacional de vacinação, o que poderia ser relativamente fácil, porque já temos uma estrutura importante. Mas, para uma pandemia, com a exigência de duas doses para uma imunização individual efetiva, é preciso um trabalho coordenado com estados e municípios, e ele quer concentrar tudo.
O ministro também demonstra ignorância histórica sobre o papel da imprensa, que nasceu para controlar os governos, para dar voz aos que não a tinham em governos absolutistas e autoritários. Recentemente, ele afirmou que ninguém delegou à imprensa a tarefa de analisar e criticar o governo. Está muito enganado. O papel da imprensa é ser o “cão de guarda” da sociedade, segundo definição clássica do presidente dos Estados Unidos Thomas Jefferson, que dizia que, para cumprir essa missão, a imprensa deve ter liberdade para criticar e condenar, desmascarar e antagonizar.
Parodiando a famosa frase de James Carville, marqueteiro de Bill Clinton na campanha presidencial que o elegeu na sucessão de Bush pai, “É a História, estúpido”. Não precisa o general Pazuello delegar, nem o capitão Bolsonaro permitir. Já está delegado pela sociedade, historicamente. Por isso ele se irrita, porque a imprensa critica quando o governo falha; e como esse governo falha constantemente, a imprensa tem sido muito crítica.
É justamente essa a atribuição da imprensa, fazer com que a Nação conheça os projetos do Estado, e possa debatê-los. Ou descubra o que está sendo tramado nos bastidores palacianos, e denuncie. O surgimento da “opinião pública” está ligado ao Estado moderno, que pressupõe transparência do poder público, e não manobras sub-reptícias que, se precisam da escuridão para serem efetivadas, é porque beneficiam algum setor, e não a sociedade. No sistema democrático, a representação é fundamental, e depende da informação.
“Uma nação conversando consigo mesma” é a definição de jornalismo do teatrólogo americano Arthur Miller, enquanto para Rui Barbosa, a imprensa é a vista da nação. “Através dela, acompanha o que se passa ao perto e ao longe, enxerga o que lhe malfazem, devassa o que lhe ocultam e tramam, colhe o que lhe sonegam ou roubam, percebe onde lhe alvejam ou nodoam, mede o que lhe cerceiam ou destroem, vela pelo que lhe interessa e se acautela do que ameaça”.
Ontem, numa solenidade no Palácio do Planalto, o presidente Bolsonaro disse que a imprensa em seu governo tem “liberdade demais, de sobra”, mas lamentou o que chamou de censura às mídias sociais, provavelmente ainda se referindo ao seu ídolo Donald Trump, que está bloqueado pelas principais plataformas digitais.
Ledo engano. As mídias sociais são militantes muitas vezes beirando a ilegalidade, enquanto a imprensa profissional independente busca a transparência da administração pública e o interesse da sociedade.