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E agora, Moreno?

 

O velório de Moreno parecia um daqueles costumeiros jantares que ele promovia, com todos juntos e misturados, formando uma multidão de várias cores e credos. Ele ia gostar. Só faltava a comida de Carlúcia. O clima de confraternização era o mesmo. Estavam lá, entre outros, Gilmar Mendes, Rodrigo Maia, Pezão, Molon. Não pude ficar muito tempo, mas deu para encontrar, da área artística, da qual ele se considerava “setorista”, a musa Mariana Ximenez. E muitos, mas muitos jornalistas do Rio, de SP e Brasília. Se alguém trancasse a porta da capela 3 e levasse a chave, o país correria o risco de ficar sem noticiário na TV e no jornal.

Também na morte, Moreno conseguia o que fez a vida toda: aglutinar pessoas - amigos e até inimigos. Como lembrou Gerson Camarotti, nesses tempos de intolerância, ele era capaz de colocar numa mesa PT, PMDB, PSDB, PCdoB. Todos aceitavam a sua mediação e, mais, queriam ouvi-lo. Era tão bem informado que virou fonte. Numa profissão em que a informação não é moeda de troca - não se costuma abrir mão da exclusividade - ele era generoso e dividia, por exemplo, sua experiência com os mais novos. Mas, para mim, seu maior feito foi transformar o árido noticiário político numa bem humorada e divertida leitura.

O mais curioso é que ele fez sua carreira perseguindo furos de reportagem e terminou com as notícias indo atrás dele. Em casa, perto de sua poltrona, havia uma cadeira que ele dizia ser “especial” para receber furos. No dia em que me contou isso, um poderoso ministro tinha vindo de Brasília e se sentado ali para lhe fazer uma importante revelação.

Minha mulher e eu fomos assíduos freqüentadores de seus apartamentos, desde o micro, que apelidei em crônica de “Cafofo do Moreno”. Depois, ele se mudou para a “Laje do Moreno” e finalmente para uma enorme cobertura onde no dia 24 de abril ele comemorou o seu 63º aniversário, com a presença de umas 300 pessoas.

Era muito comum despedir-se de um amigo dizendo: “então a gente se vê no Moreno”. À beira do caixão, tive vontade de lhe perguntar: “E agora, Moreno, o que vai ser da gente?”

O Globo, 15/06/2017