Em tempos de cólera e “clima de faca nos dentes”, como lamenta o ex-ministro do STF Ayres Brito, não há como não dizer: Ah, se todos fossem iguais a vocês
O mais comum nos pedidos públicos de desculpas é um mea-culpa pela metade, através da alegação de que a imprensa deturpou o que foi dito ou então que houve má interpretação, e assim transfere-se a responsabilidade para o atingido. No máximo, um “não foi o que quis dizer”. Por isso, o deplorável incidente que envolveu Claudio Botelho, Soraya Ravenle e Chico Buarque acabou sendo um exemplo de acertos.
Para quem não acompanhou o caso, um resumo: durante a apresentação da peça “Todos os musicais de Chico Buarque em 90 minutos”, em Belo Horizonte, sábado passado, Botelho, ator e diretor, introduziu um grosseiro improviso que não tinha nada a ver com o espetáculo. Disse que aquela era também “a noite em que um presidente ladrão foi preso” e referiu-se a “uma presidente ladra”.
A plateia respondeu com vaias e gritos de “não vai ter golpe”, e a sessão foi encerrada. Além da leviandade do “caco”, com os ofensivos prejulgamentos, faltou-lhe desconfiômetro. Por acaso, ele achava que aquele público fã de Chico ia aplaudir os ataques a Lula e Dilma? A sua primeira reação foi desastrada: reclamou de censura, estabeleceu analogia com a época da ditadura militar e não admitiu que errara.
A redenção veio na quarta-feira com a publicação aqui no jornal de um texto em que Claudio Botelho, sem tergiversar, confessa claramente seu arrependimento e pede desculpas várias vezes ao compositor de quem é “admirador apaixonado”. “Errei. Erro muito. Sou humano, mas isso não me desculpa”. “Falhei com minha responsabilidade, com Chico, falhei com o teatro e com a música”. “Envergonhado” pelo que fez, Botelho termina seu artigo “invocando novamente a única palavra que me parece oportuna nesse momento: perdão”.
Na mesma página, Soraya Ravenle escreveu artigo recusando o papel de “heroína” por ter discordado do colega de palco num áudio gravado clandestinamente no camarim. Ela criticava a “provocação partidária no momento em que estamos em carne viva”.
Mas fez isso sem prepotência ou sectarismo, com a elegância e a correção que são próprias dessa grande atriz, sensatamente preocupada com a situação do país. “Precisamos conversar, gastar tempo com o outro, ouvir e ser ouvido”. “Sabem a técnica da mediação de conflitos? Devia ser ensinada nas escolas”. Sábia Soraya.
Parabéns aos dois e a Chico (que aceitou as desculpas de Botelho) pelo exemplo de como é possível reverter hostilidade em reconciliação, mesmo sem anular as diferenças de opinião. Em tempos de cólera e “clima de faca nos dentes”, como lamenta o ex-ministro do STF Ayres Brito, não há como não dizer: Ah, se todos fossem iguais a vocês.