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Do cacete à eletrônica

 

João Francisco Lisboa escreveu um clássico sobre a evolução do processo eleitoral: Eleições na Antiguidade.


 


Desde as eleições feitas por palmas, em Atenas, até nossa urna eletrônica foi um caminhar longo e cheio de imaginação. O grande problema sempre foi como evitar a compra de votos. Em 1841, em Liverpool, uma eleição de deputado custava 532 libras. Já em Londres, 404. Na Igreja, na eleição dos papas, a rotina não era outra. Numa carta do Padre Vieira ele relata que na sucessão do papa Clemente X a eleição levou 28 dias, com dinheiro para lá e para cá e 22 cardeais comprados.


 


Os saxônicos seguiram essa regra da compra de votos e a corrupção começou nos tempos de Isabel (Elisabeth I), com Tomás Longe, que comprou votos a dinheiro para eleger-se num distrito. Nos Estados Unidos era essa também a maior desgraça das eleições – o que continua. Vejam-se as acusações do dinheiro do petróleo na campanha do Bush.


 


Já no Brasil, a “precária e mesquinha carreira de empregos” – segundo Lisboa – foi a preferida. Mas tivemos as “eleições a cacete”.


 


No Maranhão, dona Ana Jansen, célebre matriarca, chefa do Partido Conservador, tinha uma equipe famosa de “caceteiros” que ganhava todas as eleições, e ela, que era tatibitate, dizia: “Cute o que cutá, meu fio Manezinho tem de sê deputá”.


 


Eu era jovem estudante de direito, em 1950, quando fui contratado para ser fiscal de uma eleição suplementar, que era a eleição feita em urnas anuladas, sistema já desaparecido. A seção eleitoral a ser renovada era em Bom Lugar, interior do município de Bacabal, onde não se chegava senão a cavalo. Na véspera da eleição, os lados estavam excitados. Dois barracões, cada um com uma ala. Eram o xote e a sanfona de um lado e do outro. Bebia-se à vontade. Tiros de quando em vez. Eu pensava como tinha me metido numa coisa dessas. Fui acordado às duas horas da manhã com a denúncia: o juiz está com seu Leda (era o outro lado) e vai fraudar. Pediam que eu fosse o juiz. Com mais medo do grupo já alcoolizado do que da fraude, incorporei-me àquela gente, tendo à frente um conhecido orador da região, Alcides Sarmento, com dois revólveres na cintura. Quando acordamos o juiz, ele veio pálido e em pânico. Sarmento foi o primeiro a falar: “O senhor está com nós ou contra nós?”. O juiz, tremendo, respondeu: “Tou com nós”. Quando apuraram a urna alguns dias depois, a eleição empatara.


 


Não tinha TV, pesquisa, nem o vigoroso Brasil de hoje. Era um Brasil do século 19. Hoje, eleições pacíficas, limpas e uma democracia incontestável, vinda do cacete à urna eletrônica.


 


Jornal do Brasil (Rio de Janeiro) 25/08/2006

Jornal do Brasil (Rio de Janeiro), 25/08/2006